A velha e boa cozinha de Michael Genofre migrou para o Blogger! Sempre uma alquimia de coisas e mais coisas, com nexo ou não!
02 setembro 2009
Movimento Estudantil: complexo de vira-latas X jogo do contente.
Há duas coisas que realmente me irritam no movimento estudantil (ou em praticamente qualquer debate): o complexo de vira-latas e o jogo do contente. Toda vez que um aparece, o outro logo é acionado. E o resultado é o debate se esvaziar ou, no máximo, virar briga de torcida.
Apenas relembrando, "complexo de vira-latas" é uma expressão criada por Nelson Rodrigues. A expressão foi utilizada para explicar a reação dos brasileiros depois que perdeu a Copa de 1950, mas, segundo ele, pode ser aplicada em qualquer situação. Trata-se da voluntária posição de inferioridade que o brasileiro se coloca em relação aos demais países do mundo; uma espécie de Narciso ao contrário, que cospe na própria imagem. Já, o jogo do contente é encontrado no livro "Pollyanna", de Eleanor H. Porter. A personagem aprendeu com o pai um jogo onde aprende a ver sempre o lado bom das coisas. Após receber uma muleta ao invés da cobiçada bicicleta, o pai da personagem diz que isso foi bom para ela, pois ela poderia aprender a valorizar o fato de não precisar usar a muleta. Com isso, ela sai vendo o lado bom em absolutamente tudo: das torturas de sua tia até um acidente de carro que quase a deixou paralítica.
No movimento estudantil funciona mais ou menos assim: quem está na oposição tem complexo de vira-latas, quem está na situação brinca de jogo do contente. O complexado enxerga o mal em todas as coisas, age como se houvesse uma conspiração contra ele por parte da situação, e sempre aponta a organização estudantil como uma instituição que deve se apresentar sempre como inferior às demais instituições do país. O jogador do contente, por sua vez, busca ver o lado bom de cada ação, nunca admite um erro, nunca acha que as coisas poderiam ser melhores ou piores, está tudo sempre bom, sempre vitorioso, que sempre fez algo histórico.
Apenas para ilustrar, pois poderia utilizar inúmeros outros exemplos, o caso dos patrocínios que entidades, como a UPE e a UNE, angariaram para realizarem seus respectivos congressos. O complexado crê e agita bandeira que as entidades estudantis não podem receber patrocínios nem públicos e nem privados. Segundo sua lógica, se recebe patrocínio do setor privado, a entidade se vende ao capital, se da pública, ao governo. Ao mesmo tempo, o complexado desconfia demais da situação para que ela faça finanças por meio de venda de livros ou emissão de carteirinha estudantil. Por sua vez, a situação contra-argumenta que não há problema nenhum em receber patrocínios. Que aquele que contribui para o movimento é amigo do estudante. E que se a entidade vender alguma coisa, será uma prova de sua maturidade em negociar com gregos e troianos.
É claro que ambas as posturas me irritam. Se depender do complexo de vira-latas, as entidades estudantis nunca terão independência financeira. E somente com independência financeira é que uma entidade social pode, de fato, ter verdadeira autonomia. As entidades devem negociar comuns interesses, jamais vender seus ideiais ou princípios. Por isso é que existem os congressos e as diretorias. Não há nada demais em se aproximar de uma empresa ou de um governo que se simpatiza com alguns aspectos da proposta estudantil e fazer com que ela a patrocine. Em qualquer negociação, ambos os lados devem deixar claro onde ficam os limites da negociação. Uma empresa pode patrocinar toda as ações culturais de uma entidade, mas se recusar a fazer o mesmo com as ações esportivas. E, por sua vez, a entidade irá aceitar o patrocínio somente para as ações culturais. Além disso, a entidade deve possuir uma renda própria, que pode ser oriunda da carteirinha estudantil. Isso garante que a entidade não vacile diante de uma proposta mais polpuda, porém contraditória com a política estudantil. Esse é o melhor caminho para a autonomia.
O jogo do contente é tão irritante quanto o complexo de vira-latas. Pois, simplifica tudo pelo lado bom da coisa. Simplesmente angariar patrocinadores para que se tenha um saldo positivo na conta da entidade é um ato irresponsável. Realizar uma ação exige prestação de contas. E essa deve demonstrar com transparência de onde veio o dinheiro, para onde foi, e como foi utilizado. Além de determinar prioridades. Uma empresa que visa combater sistematicamente a carteirinha estudantil não pode ser convidada para patrocinar nenhum evento estudantil, pois a empresa ataca justamente a autonomia das entidades estudantis.
Tanto oposição quanto situação tem o dever de fazer a entidade andar para frente. Complexados e jogadores do contente acabam fazendo com que a entidade estudantil ande de ré. Não enxergam as necessidades nem da entidade e nem dos estudantes. Acabam ficando míopes, daqueles bem ceguetas. Um não avalia os tempos atuais, e o outro acaba sendo irresponsável. E não digo apenas sobre a UPE ou a UNE, mas sobre qualquer entidade estudantil. Falo de oposição e situação, e não de força política A ou B. E quando a entidade comete um erro, esse ou não é percebido ou se transforma em campanha para nova diretoria. E quem perde, como sempre, acaba sendo o estudante.
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Um comentário:
Parabéns Michael! Você escreve super bem... muito esclarecedora esta reportagem. Sempre estive meio que desinteressada com questões estudantis e políticas. Valeu!! Bju
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