19 dezembro 2011

Eis o futebol como ele é.

Na coluna "História Cultural", do André Egg na Gazeta do Povo, há uma dura crítica ao futebol brasileiro. Segundo Egg, há uma longa decadência do futebol brasileiro, tendo como símbolos a derrota acachapante do Santos contra o Barcelona. Evoca ainda que a seleção derrotada de 1982 carregava muito mais da beleza do futebol brasileiro do que a paradigmática seleção de 1994. Além de outros argumentos.

Pera lá, apesar de André ser um excelente colunista cultural, não é muito bom com argumentos capazes de perfurar a aparência e atingir a essência quando o assunto é futebol. Por exemplo, ignorar completamente a campanha do Brasil nas copas de 1998 e de 2002 é de um equívoco imperdoável para todo aquele que deseja fazer uma boa análise sobre o esporte das multidões (como diria Carneiro Neto). Apesar de nossa frustração com a fatídica final de 98 - eu realmente não sei até hoje como perdemos aquela copa com aquele timaço! - não isenta o fato de ter sido uma das melhores seleções de todos os tempos. Tanto que praticamente a mesma seleção faturou a Copa de 2002 - e há quem acredite que essa seleção era tão boa quanto a de 1970. Aliás, eis um argumento fantástico para os mais saudosistas: o time que ganha sempre supera o time que perde, por melhor que o perdedor seja.

A Copa de 94 é paradigmática para o futebol mundial. Se fôssemos o único time ruim da competição, seria a zebra do século. Mas não éramos. Era o fim de uma era para o mundo inteiro. O futebol deixava de ser semi-profissinal para ser uma parcela importante da economia. Lembremos sempre que o primeiro jogador profissional, de fato, no Brasil surge na década de 80 com o Zico. Nos países europeus essa realidade foi a mesma. E a adaptação para esse novo futebol acabou em 94, com uma Copa de afogadilho feito em um país que nunca deu muita bola para a bola nos pés. E praticamente o único país que já havia encerrado o ciclo do semi-profissionalismo e vinha com tudo para faturar aquela copa foi superada em campo justamente pela seleção canarinho: a Holanda. Sem falar nos grandes momentos como o da superação brasileira contra a Suécia. Foi uma seleção ruim, numa copa ruim, mas valorosa!

No contrafluxo, já possuíamos no nível dos clubes, por exemplo, o São Paulo F.C. que foi o primeiro a se adaptar às exigências desse futebol-empresa (e o resultado foi dois inquestionáveis títulos mundiais). Surgiram clubes e mais clubes mobilizados por muita grana e um conceito de clube-empresa. E tais clubes dominaram o cenário futebolístico brasileiro com força. Lembremos da fila histórica do Coritiba F.C. na década de 90 por não querer se adaptar a essa nova realidade enquanto seu rival Atlético Paranaense nadava de braçada justamente por ter se adaptado mais rapidamente (sendo campeão brasileiro e vice-campeão das Américas logo no começo da década seguinte).

O duelo mundial sempre é um time sulamericano contra um europeu. E, nesse duelo, o Brasil figurou na constelação dos campeões algumas vezes na década que recentemente se encerrou. Campeões mundiais com Corinthians, São Paulo, e Internacional. A década de 90 demonstra que o Brasil começa uma ascendência, com somente São Paulo sendo campeão (duas vezes), mas com Grêmio, Palmeiras, Vasco e Cruzeiro vice-campeões (ou seja, sete vezes com brasileiros no topo do mundo futebolístico). Se compararmos, por exemplo, a década de 80, somente o Flamengo teve este feito no único ano em que brasileiros chegaram lá.

Passadas duas décadas dessa transformação, chegamos a uma final mundial entre Santos e Barcelona. Com todo o seu valor, Santos era um timaço. Mas o Barcelona apresentava, como diria os diários de todo o mundo, um futebol "extraterrestre". O Santos tinha Ganso e Neymar, além de um belo elenco. Barcelona tinha em cada um de seus jogadores um nível superior aos de Ganso e Neymar e em uma harmonia sobre-humana. Deve-se, para ter uma análise correta, concordar com o comentário de Neymar após a partida: "eles nos deram uma aula de futebol". Não se trata de uma decadência do futebol brasileiro, mas de um grande momento do futebol do Barcelona (e apenas desse time, pois o futebol espanhol anda muito mal das pernas). Lembremos que o Barça atropelou todos os que passaram por sua frente, incluindo clubes espanhois, italianos, ingleses e alemães. Atropelou, também, o clube brasileiro. Portanto, buscar argumentos depreciativos ao futebol brasileiro não apenas desqualifica verde-amarelos (e alvinegros) como também desqualifica o inconstestável melhor clube do mundo na atualidade: o Barcelona.

Ósculos e amplexos!


08 dezembro 2011

Eleições na FECH: os comunistas seguirão trabalhando pela unidade do movimento estudantil

Foto: Karol Cariola, Secretária Geral das Juventudes Comunistas chilenas.

            Apesar dos ataques e do anticomunismo que se instalou durante a campanha para a eleição na Federação de Estudantes da Universidade do Chile, de todas as formas a lista apresentada pelas juventudes comunistas conquistaram uma importante votação. Ainda que não tenha sido suficiente para manter a presidência da entidade com Camila Ballejo, significa um reconhecimento do trabalho desenvolvido durante as mobilizações de 2011. Avalia o Partido Comunista chileno.

            Essa foi a análise que realizaram os dirigentes do Partido Comunista e das Juventudes Comunistas, Guillermo Teillier e Karol Cariola, logo após conhecer os resultados que outorgaram Camila Vallejo como Vice-Presidenta e que permitiu o ingresso de um segundo dirigente no cargo de Secretário Executivo da organização.

            O presidente do Partido Comunista disse que "estamos muito orgulhosos do que fizeram as juventudes comunistas junto com forças independentes e ainda mais com a Camila Vallejo. Porque a verdade é que desde o começo Camila teve que enfrentar uma campanha bastante forte contra ela, de diversas tonalidades. Se desatou um anticomunismo como havia tempo não víamos em nosso país. Tenhamos em conta que a própria senhora do Presidente da República teve algumas palavras a respeito de Camila que eram de claro conteúdo anticomunista.

            Teiller agregou que, diante da nova composição da mesa diretora da FECh, os comunistas "não vamos ser obstáculos para o diálogo, para se buscar a convergência, para atuar em conjunto. (...) Esperamos que no futuro esta nova direção eleita na Universidade do Chile atue de forma unitária, que se complementem os dirigentes, e que tenham como norte o único que creio que interessa a todos: estabelecer no país um novo sistema de educação que seja um direito estabelecido constitucionalmente e garantido pelo Estado".

            Por sua parte, a secretaria geral das juventudes comunistas, Karol Cariola, adiantou que a presença dos dirigentes comunistas no interior da FECh terá transcendência, igualmente como tiveram os demais sob a condução da Camila Vallejo durante o ano de 2011.

            "Se de alguma maneira o governo ou a direita, ou quem quer que seja, teve uma intervenção política nestas eleições, isto não significa que, obviamente, que iremos sair do cenário nacional, que iremos deixar de trabalhar por um projeto que temos levantado e que iremos muito mais além de uma batalha eleitoral particular em uma Federação, mas que tem a ver com a transformação de um modelo educacional no Chile e também com a transformação de um país completamente", expressou Karol.

07 dezembro 2011

Ok, vamos falar em democracia..

           Muitos taxaram a ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná de atitude antidemocrática. Um dos argumentos mais recorrentes, e nem por isso menos absurdo, foi o de que, uma vez que a eleição dos parlamentares se deu legitimamente, qualquer atitude deles seria igualmente legítima e democrática. Definitivamente, isso não é uma verdade. Tanto que há inúmeros e mais inúmeros mecanismos para garantir que o parlamentar cumpra suas funções sem violar a essência democrática do Estado brasileiro.

            A ocupação de prédios públicos é um ato político bastante típico principalmente no movimento estudantil desde idos da década de setenta ou talvez mais. Uma vez que não há a menor intenção de estabelecer morada no local, não se trata de uma invasão, mas de uma ocupação política e, portanto, resguardado pela Constituição em seu Artigo 5º, IV – direito à livre manifestação do pensamento. Portanto, não é uma atitude antidemocrática, pelo contrário, é amparada pela "Constituição Cidadã".

            A pressão faz parte da democracia. E não há como pressionar sem provocar transtornos. Mas, se queremos identificar atitudes que combatem a democracia, listemos algumas que ocorreram neste mesmo dia: policiais militares à paisana inseridos no meio das manifestações sociais – prática comum das inteligências autoritárias, onde a interlocução de governos com a oposição era feita na base da porrada. Impedimento do acompanhamento público da questão tratada. Esvaziamento das galerias. Limitação de senhas por deputado para acesso ao plenário. Ameaça de linchamento jurídico por parte do Presidente da ALEP. Nenhuma consulta pública para matéria polêmica. E a pior de todas: aprovação em reunião às escondidas e na calada da noite.

            Talvez o único patrimônio público destruído pelos manifestantes tenha sido a "Ordem do Dia" impressa gratuitamente rasgada e um pouco de sujeira. Nada que possa ser qualificado como sequer contravenção.

            Antidemocrático foi terceirizar serviços públicos essenciais tanto na saúde quanto na educação de afogadilho, escondido, torcendo para ninguém ver. Mas o Paraná inteiro viu.

"La Pelea es con el Partido Comunista"

            Quando a Primeira Dama do Chile, Cecilia Morel, tentou desqualificar a então presidenta da Federação dos Estudantes da (Universidade) do Chile, Camila Vallejo, ficou claro contra quem as forças conservadoras atacam quando atiram contra os estudantes: os comunistas. Disse a primeira dama: "Dá-me pena ver pessoas novas com idéias velhas". Com a FECh voltando à luta e liderando o que tem sido considerado como um dos movimentos mais fortes desde o retorno do país à democracia.

            O sistema educacional chileno foi desenhado durante a ditadura daquele país entre 1973 e 1990. Na década de 1980, a educação pública secundarista foi transferida para os municípios enquanto as escolas privadas recebiam financiamento estatal. No caso da educação superior, o sistema educacional foi desmontado para que universidades privadas pudessem ser fundadas no país e a Universidade do Chile fosse desmembrada a fim de se criar universidades de caráter regional. Pese que a educação chilena sempre foi considerada uma das de maior qualidade da América Latina, os grandes inimigos desse desmonte sempre foram os comunistas.

            Quando uma Federación, equivalente aqui no Brasil aos nossos DCE, da principal, histórica e maior universidade comanda um processo intenso como as vistas no Chile ao longo do ano, logo as forças conservadoras entram em ação. Temendo um despertar classista de proporções continentais, colocam toda sua artilharia apontada para o cérebro vanguardista da classe trabalhadora: os militantes comunistas. Para se ter uma ideia, todos os principais veículos conservadores de comunicação brasileiros comemoraram a derrota de Camila Vallejo em sua tentativa de re-eleição para o comando da FECh. Veja, Folha de São Paulo, Globo, e tantas outras anunciaram imediatamente após a publicação do resultado do pleito que a presidenta Vallejo havia sido derrotada.

            Acontece que o equivalente à União Nacional dos Estudantes lá, no Chile, é a Confederação de Estudantes do Chile, Confech, e ela foi quem convocou os protestos e tomadas em todo o Chile. Ao lado de Vallejo no comando dos "paros estudantiles" estavam líderes de uma série de outras Federaciones, dentre eles, a também importante Federación de los Estudiantes de la Universidad Católica de Chile, FEUC, liderada por Jackson Drago. Mas então, qual o motivo de tanto destaque para Vallejo? A resposta é simples: a principal Federación chilena é liderada por uma comunista. Drago, por exemplo, é de centro-esquerda e somente com muita pesquisa ou quem se interessa pelo movimento estudantil continental sabe de quem se trata.

            A imprensa chilena compara Vallejo com a histórica militante e verdadeira heroína dos povos trabalhadores Gladys Marín, presidenta do PC chileno – que tem um histórico de origem também no movimento estudantil e que chegou a ser secretária geral das juventudes comunistas para todo o mundo; além de coordenadora da campanha de juventude na eleição de Allende. Portanto, Vallejo trouxe consigo não apenas suas qualidades individuais, mas um histórico de luta de sua filiação partidária. Sua oposição direta pode ter muita elaboração, como é o caso de Boric (de esquerda, que venceu Vallejo nesse último pleito); ou pode até possuir muita paixão como é o caso do direitista Yobanolo; mas nenhum possui o posicionamento público e a prática de lutas que possui Camila Vallejo.

            Boric, reconhecendo os caminhos tomados pela FECh e esta liderança que possui Vallejo e abre o jogo: "La pelea es con el Partido Comunista". Não se trata de uma discordância de fundo conjuntural, ou sequer de "estilo de governo", mas um combate ideológico. E, sendo assim, recebe os aplausos das forças mais conservadoras de toda a América Latina, principalmente as brasileiras Globo, Veja e Folha.

            Como o sistema eleitoral da FECh é proporcional, Vallejo assume a próxima gestão como Vice-Presidenta. E o PC chileno aplaude a democracia dessa entidade e promete se desdobrar para que a liderança de Vallejo influencie a gestão para que ela continue de luta.