27 novembro 2013

Um Bilac curitibano... (sobre a demolição das vias na zona portuária do Rio)

O jornal da manhã dava imagens em todas as velocidades, principalmente em lentíssimas. Em questão de segundos as vias da zona portuária do Rio de Janeiro tornavam-se escombros. Enquanto eu vagava por memórias de um certo tempo em que eu percorria tal trecho que não existe agora, ao meu lado, um sujeito comendo uma coxinha dava gritos de felicidade.

Alvíssaras emanadas de um novo Bilac, porém assistindo cá em terras curitibanas. “Vibrai, feri, exterminai, demoli, trabalhai e cantai sem descanso, (dinamites) sagradas! cada golpe dos vossos é uma benção e uma redenção"... teria certamente exclamado o entusiasmado parnasso!

04 maio 2013

O contraponto de uma tendência: comunistas e religiosos.



Para os comunistas, o que deve preceder quando o assunto é religião é a análise da questão pela lógica da luta de classes. Fugir do modelo anticlerical da Ilustração é o primeiro passo para uma construção qualificada da ação dos comunistas entre o povo religioso.


Estamos em tempos de grande visibilidade religiosa na política do Brasil graças à presença de um fundamentalista religioso à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Em questão de dias, o velho tema sobre a relação entre religião e Estado se renova e uma enxurrada de discursos são utilizados em massa principalmente pelas redes sociais. E, por mais que seja centenário tal debate, impressiono-me com o imenso mau-trato dado ao tema principalmente por boa parte dos mais esclarecidos e honestos progressistas do país. A visão de muitos marxistas sobre a posição de Marx acerca da religião é extremamente simplificada e identificada tipicamente com o bordão já desgastado de que ela é simplesmente “o ópio do povo” e fim de papo.

A trincheira reacionária e conservadora cavada no seio das massas revolucionárias pelas religiões ao longo da, denominada por Hobsbawn, “Era das Revoluções” ao longo do século XIX é uma verdade ainda em tempos atuais. Em larga medida, quando não vemos inúmeras instituições religiosas cumprindo esse papel, vemos tantas outras envolvidas em imensas engenharias sociais, financeiras, e anti-comunistas. Todavia, vira-e-mexe surgem movimentos ou expressões revolucionárias em meio justamente às religiões. A história de independência da América do Norte e da América Latina é composta de inúmeros revolucionários sacerdotes e a questão religiosa foi por vezes a voz libertária desses povos. A existência de organizações como a Juventude Universitária Católica, a Ação Popular, e a Teologia da Libertação – bem como a inserção relevante de clérigos católicos na luta operária como o caso do paraguaio Fernando Lugo e dos padres envolvidos com a revolução sandinista e com as Farc-EP, por exemplo, provoca-nos a necessidade de uma releitura tanto da análise marxista da religião quanto da tática revolucionária acerca do trato ao tema. A “quintessência”, portanto, da concepção de “religião é o ópio do povo” é simplificadora por demais e mais atrapalha do que ajuda na hora de se estabelecer as bases do argumento sobre o fenômeno religioso na política e na luta de classes.

Para não incorrer na “heresia” de se desconsiderar os textos clássicos do marxismo, primeiramente é importante explorarmos melhor esse papel narcótico apontado no célebre “a religião é o ópio do povo”. É do espírito da época, em seu sentido romântico alemão, com inúmeras tonalidades distintas, a identificação do papel da religião na sociedade pelo seu efeito narcótico. Kant, Feuerbach, e Hegel, muito antes de Marx, todos identificavam tal efeito e de maneira positiva. De uma forma ou outra, notavam que, em meio à amargura de uma vida em meio a um mundo insensível, a religião promove, por meio da espiritualidade, certos alívios como amor, fé e esperança. Mesmo os mais críticos, e por vezes os mais irônicos, como Feuerbach e Hess, identificavam que a droga religiosa era necessária, ainda que tenha por efeito colateral o vício da servidão social.

Marx, em seu texto “Crítica à Filosofia do Direito de Hegel” (1844) concorda com a ambivalência do fenômeno religioso. Entretanto, ao darmos melhor atenção ao parágrafo onde se encontra a máxima de que a religião “é o ópio do povo”, de imediato nota-se que se trata de um pensamento muito mais complexo do que as pessoas costumam utilizar ao desenvolver suas críticas. Ainda que nesse texto Marx rejeita totalmente a religião, não descarta, porém, o caráter dialético que ela possui: “A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo” (MARX, 1843-4, p. 1).

Se levarmos em consideração o conjunto da obra de 1844, Marx está muito mais próximo ao movimento hegeliano de esquerda, que denunciava a alienação provocada pela religião e a busca em considerá-la um fenômeno humano, que ao entendimento da Ilustração, que denunciava a conspiração clerical – e como tem, em dias atuais, aqueles que confudem e misturam essas duas formas em seus argumentos quando o assunto é religião! – Porém, ainda que, sem dúvida, dialética, não se tratava de uma análise classista e nem tampouco histórica. Tal análise começa a ocorrer na literatura marxista, de fato, na “Ideologia Alemã”, de 1846. Eis que nessa obra é que a observação da religião enquanto coisa social e histórica se inicia de fato. E o que mais chama a atenção: Marx, como método, coloca a religião como uma das inúmeras formas da ideologia de um povo e necessariamente condicionada pela produção material e pelas relações sociais. Aponta, portanto, o caminho da análise: o que é a religião, ou no que ela acredita ou se é verdade o que ela promete pouco importa à luz das relações sociais. Mas, por ser coisa social, o que importa é compreender que qualquer perturbação histórica das condições sociais provoca, ao mesmo tempo, a perturbação das concepções e das representações dos homens e, como corolário, também das representações religiosas. Isso explica, por exemplo, porque os sacerdotes tiveram papéis tão distintos no século XIX na Europa e nas Américas - o papel obscurantista e reacionário ao longo da Primavera dos Povos e o papel libertador e revolucionário nas lutas por Independência na América Latina.

Tudo leva a crer que Marx dá o assunto por encerrado em “Ideologia Alemã”, já que depois não apresenta nenhum outro estudo mais desenvolvido sobre a religião – apenas algumas ideias sem maior cuidado n'O Capital e nos Grundrisse. Pelos textos de Karl Marx, unicamente, notamos que a conclusão acerca das religiões vai muito mais além do que a identificação de seu papel narcótico. Em outras palavras, Marx se preocupou mais com o “vale de lágrimas” que com os “consoladores”. E, no tocante à teologia, ela deve ser observada quanto ao seu uso político, possível criador tanto de “ murmuro e ranger de dentes” quanto de saciar os “sedentos e famintos por justiça”.

Tendo esclarecido esse ponto, devemos somar nossas observações com a contribuição ímpar de Engels para se abordar a religião de maneira materialista-histórica-dialética: a visão da luta de classes. Diferentemente de seus contemporâneos – e de muitos outros que vieram depois até os dias atuais – Engels não olha para a religião enquanto quintessência a-histórica, mas como uma forma cultural e de massas. Observa que a religião não se trata necessariamente de um representante conservador no duelo iluminista entre revolução e reação, como foi o caso dos protestantes que usaram de sua religião para combater de maneira revolucionária os materialistas que estava com os Stuarts na Inglaterra no século XVII. E vai mais além, Engels longe de conceber a Igreja enquanto uma entidade homogênea, identifica sua característica de massas e sua divisão de acordo com seus componentes de classe. Demonstra Engels que, historicamente, a Reforma Protestante, por exemplo, foi fruto da luta de classes. Um alto clero reacionário em conflito com um baixo clero e um movimento campesino revolucionário, culminando em um rompimento. Aponta, inclusive, que as teses de Lutero tem mais importância econômica que teológica – uma vez que foram usadas para enfrentar os pesados impostos clericais da Igreja Católica sobre a população germânica essencialmente campesina.

Engels, ainda que ateu e anti-clerical ferrenho, também reconhecia positivamente o papel narcótico da religião. Porém, identificou que ao mesmo tempo em que a religião pode cumprir um papel de legitimação da ordem estabelecida, ela pode, em determinadas circunstâncias sociais, exercer um papel crítico, contestador e até mesmo revolucionário. Chegou, inclusive, a estabelecer um surpreendente paralelo – que, contemporaneamente, Hugo Chávez insistiu em resgatar – entre o cristianismo primitivo e o socialismo moderno. Segundo o alemão, os primeiros cristãos eram membros das mais baixas classes sociais na pirâmide social em suas sociedades: escravos, homens livres privados de direitos, camponeses endividados, e assim por diante. A diferença entre os cristãos primitivos e os socialistas modernos é o momentum da libertação: enquanto que para os primeiros seria para além dessa vida, para os segundos o momento é o agora.

Friedrisch Engels analisou o fenômeno religioso dando uma abordagem mais utilitarista na luta de classes, identificando o potencial de protesto da religião. Distinguiu-se em sua abordagem ao da Ilustração e ao da abordagem hegeliana – essa última adotada por Marx em quase toda sua literatura – apresentando a necessidade dos revolucionários sempre identificar o uso que as classes sociais fazem de suas religiões.

Karl Kautsky, antes de renegar o marxismo segundo Lênin, teceu inúmeros ensaios sobre o que considerava os precursores do socialismo moderno. Seriam esses precursores justamente algumas correntes religiosas que propunham uma sociedade distributiva – portanto, comunista, ainda que utópica e muito distinta do comunismo científico e operário moderno. Na visão kautskysta, os fundamentos religiosos são utilizados pelas classes sociais para justificar um posicionamento político e não necessariamente, portanto, tendo a ver com sentido teológico que a religião dá a eles. Por exemplo, a Santa Inquisição, baseada nos fundamentos apocalípticos, seriam na verdade expressões de desespero de uma classe dominante na manutenção de seu status quo diante de uma classe oprimida aspirando ideais comunistas que aprenderam com a própria vida religiosa. Em seu livro sobre Thomas More, ilustra a transformação que as próprias igrejas foram submetidas à medida que o mercantilismo ia ganhando força no mundo europeu. Segundo Kautsky, o autor de “Utopia” seria um legítimo e último representante de um catolicismo popular, velho e feudal – completamente diferente do mercantilista, elitista e novo catolicismo jesuítico moderno. More denunciava a brutal proletarização dos camponeses com a destruição da Igreja Católica Feudal, bem como denunciava a expropriação de terras comunitárias pela Reforma Protestante. Ao mesmo tempo, combatia as correntes autoritárias que haviam na Igreja propondo o fim do celibato clerical, a ordenação de mulheres, e um processo eleitoral onde as comunidades escolheriam seus padres.Kautsky, portanto, confirma a validade dos argumentos de Marx e Engels para o século XX afirmando que, além de ser fruto das relações sociais, a religião sofre transformações com a luta de classes identificando nessa contradição a necessidade de se evitar o ateísmo na elaboração do pensamento marxista contemporâneo.

Em “Socialismo e Religião”, de 1905, Lênin inicia seu texto com um duro discurso sobre o papel da religião na sociedade. Identifica e reforça todos os argumentos da Ilustração sobre a religião, acrescentando que há uma névoa obscura que faz com que a religião oprima também o espírito do trabalhador. Identifica o papel narcótico da religião, re-afirmando a velha máxima da religião enquanto ópio do povo, mas não a vê positivamente - a vê como uma cachaça ruim onde os escravos do capital afogam sua humanidade e suas reivindicações por uma vida minimamente digna. Seria então um dos papéis dos socialistas provocar o rompimento que o trabalhador tem com a névoa religiosa a fim de partir para a construção de um paraíso na terra, no agora. Entretanto, há uma forma para se fazer isso: jamais de "modo abstrato e idealista de colocar a questão religiosa 'a partir da razão', fora da luta de classes". Para Lênin, é um absurdo querer dissipar os preconceitos religiosos por meio unicamente de propaganda - uma estreiteza burguesa esquecer que o jugo religioso é fruto do jugo econômico. Como palavra de ordem, Lênin define que a posição dos comunistas em relação à religião é a defesa de que ela seja um assunto privado. Uma luta onde se defenda o direito de crença e de não-crença dos trabalhadores, porém rompendo qualquer relação entre a religião e o Estado (inclusive qualquer benefício econômico, fiscal, ou simbólico). E, para o partido comunista, onde esse assunto não pode ser privado, jamais se declarar um partido ateu - o que teria como consequência o impedimento de filiação de religiosos. Pelo contrário, permitir que a "incoerência cristã" e os "vestígios de velhos preconceitos" ingressem nas fileiras partidárias onde a questão religiosa não ocupa o primeiro lugar e há uma concepção científica na ordem da interpretação do mundo. E, por fim, alerta que sempre que a questão religiosa não é tratada pela lógica da luta de classes, a burguesia reacionária trata de atiçar a hostilidade religiosa. Em outras palavras, sempre que se perde o referencial classista, a burguesia manipula as massas de trabalhadores para defenderem suas posições em nome do combate à ameaça de destruição de suas crenças.

O antídoto seria justamente aproximar o fiel a unirem forças contra a escravidão proporcionada por um mundo onde ele mesmo identifica como iníquo, convidando a construir o paraíso que ele acredita hoje, aqui na terra. Identificar a luta de classes que há na própria religião e provocar a organização proletária. Evitar a "estreiteza burguesa" de considerar o jugo religioso como algo à parte do jugo econômico - coisa que acontece sempre que se combate a religião por meio unicamente da propaganda. Deve-se semear o combate ao fundamentalismo religioso dentro das próprias religiões, coisa que fará com que o próprio religioso entenda a opressão que esse fundamentalismo provoca e se manifeste no sentido de, reforçando suas crenças, derrube o opressor fundamentalista. Expropriar do burguês a sua capacidade de mobilizar as massas em nome da fé - conscientizando as massas que a melhor defesa de suas religiões se dá por meio de uma sociedade livre, de respeito à todas as crenças, e socialista. 




ENGELS, F. "Anti-Dühring". São Paulo:Paz e Terra, 1977.


ENGELS, F. "Contribution to the History of Primitive Christianity” In. K. Marx e F. Engels "On Religion" Londres: Lawrence&Wishart, 1960.
KAUTSKY, K. "Thomas More and His Utopia". Disponível em: <https://www.marxists.org/archive/kautsky/1888/more/index.htm>, acessado em 18 de abril de 2013; Inglaterra, 1927; Alemanha, 1888.
LÊNIN, V. "Socialismo e Religião". Trad. FISHUK. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/lenin/1905/12/03.htm>, acessado em 20 de abril de 2013; Rússia:1905
MARX, Karl "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel". Transc. Eduardo Velhinho. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000054.pdf>, acessado em 20 de abril de 2013; Alemanha: 1843-4
MARX, K., ENGELS, F. "A Ideologia Alemã: Crítica da Novíssima Filosofia Alemã na Pessoa dos seus Representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner e do Socialismo Alemão na Pessoa dos seus Diversos Profetas". In. "Marx, Obras Escolhidas", Vol. I. Lisboa: Edições Avante, 1982.

03 abril 2013

Concurso: A melhor entidade estudantil do Paraná!

Ao ler a nota de repúdio lançada pelo movimento estudantil Kizomba (http://kizombapr.blogspot.com.br/2013/04/nota-de-repudio-direcao-da-upes.html), minha primeira reação foi a de desejar lançar um concurso. Sim, e esse concurso se chamaria: “a melhor entidade estudantil do Paraná”. Não seria um concurso nacional, pois ainda tenho um certo otimismo e acredito que essa realidade pode ser diferente em pelo menos uma entidade estudantil em todo o território nacional. As regras terão como critério: apurar qual é a entidade que promove lutas nacionais, estaduais e municipais dentro de suas instituições de ensino; que convoca os estudantes de sua instituição a se unir a outros estudantes nas lutas gerais dos estudantes; que cria mecanismos para a defesa dos estudantes que representa diretamente; e, por fim, que tenha excelência na aquisição, ampliação e administração de seu patrimônio.

Acompanho o movimento estudantil há uns vinte anos e desde sempre a situação já bradava contra a oposição – usando o neologismo usado na nota de repúdio – de “des-gestão”. Curiosamente também, a oposição bradava o mesmo para a situação. E juntos, situação e oposição, bradam a realidade de “des-gestão” do movimento estudantil como um todo para com os jovens e os estudantes.

Não são poucos os movimentos independentes das grandes forças políticas que surgem única e exclusivamente para apontar a má administração das entidades estudan
tis. Elas duram pouco, mas é impressionante seus resultados. Transformam qualquer sede de entidade estudantil, em poucos dias de gestão, no mínimo, num confortável centro de convivência para os estudantes. Ajeitam sua documentação e caixa da entidade com uma competência incrível. Promovem uma série de eventos que agradam a maioria dos estudantes – quem não gosta de uma boa festa? Entretanto, no primeiro sinal de necessidade política, como defender uma sala de aula inteira contra um abuso cometido por um professor despreparado, por exemplo, a entidade demonstra sua imensa fragilidade. E, em pouco tempo, os estudantes refletem que é melhor uma entidade estudantil capenga, mas que lute a uma entidade que brilha aos olhos, mas que se acovarda.

Então, as grandes forças políticas do movimento estudantil se instalam naquela entidade estudantil. Eles são ótimos em matéria de representação. Resolvem com diplomacia as querelas internas da instituição de ensino, mas não se acovardam quando uma luta de trincheira tem que ser promovida se necessária. Trazem para a instituição de ensino a consciência de que há uma luta muito maior sendo travada no mundo inteiro. Trazem ainda a noção de solidariedade, mostrando para os estudantes que o sofrimento que eles passam em sua instituição de ensino não é muito diferente daquele que o estudante de outra instituição sofre. Promovem imensos, importantes e divertidos congressos estudantis. Articulam-se com os grandes atores políticos e conquistam verdadeiras transformações sociais de vez em quando. Entretanto, a administração das entidades é horrorosa. Impera-se a desorganização. E a administração do patrimônio da entidade, em pouco tempo, começa a atrapalhar a condução das lutas estudantis. E logo os estudantes novamente começam a refletir se compensa uma entidade que lute, mas que não valoriza e não amplia o patrimônio que possui.

Eis a roda-viva que o movimento estudantil vive desde que venceu a ditadura militar e deixou de ser clandestino. Por isso a minha vontade de criar um prêmio para àquela entidade que consegue romper com esse ciclo vicioso.

Agora, soa como uma desonestidade ímpar uma força do movimento estudantil atacar a desorganização das entidades estudantis. Pior: atacar a carteirinha estudantil como o Kizomba atacou. Se meu prêmio fosse criado, tenho certeza: nenhuma, absolutamente nenhuma, força estudantil sequer pontuaria nos critérios de gestão do patrimônio das entidades que dirigem ou que exerçam influência majoritária. É um problema histórico, que independe da concepção ideológica ou política das forças estudantis. É também um problema econômico e sistêmico: os jovens são sistematicamente oprimidos e muito dificilmente atingem a multidisciplinaridade e a complexidade que uma gestão de entidade do terceiro setor necessita. Olhemos para todo o movimento social brasileiro e veremos que são exceções as organizações sem fins lucrativos que conseguem aliar com qualidade a luta com a administração. Por fim, não nos esqueçamos da luta de classes. A maioria esmagadora de estudantes que necessitam de uma representação política pertencem às classes sociais menos favorecidas da sociedade. Estudantes e mais estudantes que tomam para si a responsabilidade de dirigir o movimento estudantil, mas que desde as mais tenras idades são preparados pela sociedade a oferecerem única e exclusivamente sua força de trabalho. Não possuem educação administrativa e nem tampouco noção de acumulação de patrimônio.

Além de desonesto, é preocupante quando uma força política como o Kizomba ocupa-se deste tema unicamente para forçar um ataque contra as forças políticas a que se opõe. Quando age dessa forma, isenta-se de responsabilidade, atribuindo toda a culpa pelo ciclo vicioso à força política que deseja atacar. E o problema real não se discute. Não se apontam soluções. Nem sequer o vício é identificado para ser combatido. Ainda mais preocupante devido a força ser progressista e defender uma preocupação tipicamente opressora: a de que a luta se mede pela capacidade administrativa – quando sabem que são coisas distintas e que uma não se mede pela outra, ainda que ambas sejam importantes.

Ainda mais na contramão, essa força após fazer uma ode à burocracia, ainda ataca o principal elemento de autonomia política de uma entidade estudantil: a carteirinha. De uma só tacada, o movimento Kizomba se iguala a Paulo Renato, Veja, Folha de São Paulo e Fernando Henrique Cardoso no esforço em dissolver os mecanismos de luta das entidades estudantis. Identificam um ponto nevráugico da autonomia das entidades estudantis e a ataca com o argumento de que o movimento estudantil deve procurar outras formas de captar seus recursos. Essas mesmas forças já condenaram as parcerias com a iniciativa privada para se captar recursos para as entidades estudantis. Essas mesmas forças que condenam os convênios com o poder público. E o argumento não poderia ser ainda mais cretino: por ser um direito, o estudante não deve pagar nada.

O direito de ser representado pelas entidades estudantis não é pago. Bem como o usufruto do direito de meia entrada também não o é. Mas, identificar-se como estudante tem um custo e tal identificação não é dever do Estado. Indo mais além, ao se “comprar” uma carteirinha estudantil o estudante, consciente disso ou não, escolhe sua entidade representativa para ser reconhecido como estudante. Se não o próprio estudante a proporcionar tal identificação, somente uma instituição opressora e que concentra renda é capaz de fazê-lo – como os bancos vem fazendo. É extremamente comum ver instituições de ensino superior distribuindo suas carteirinhas estudantis gratuitamente, pois foram pagas pelo banco que apôs sua logomarca no verso. Já o mesmo não se aplica nas escolas secundaristas justamente por ser a Upes ainda uma das melhores alternativas para o estudante em matéria de identificação.

Após a famosa MP do Paulo Renato, na década de 1990, o estudante tem vários meios de ser identificado a fim de usufruir de seu direito à meia entrada e somente uma é por meio de entidade estudantil. O cinismo é reforçado na ausência de qualquer nota de uma força estudantil como a Kizomba a criticar esses outros meios a fim de fortalecer a carteirinha das entidades históricas dos estudantes.

 O que me deixa preocupado é que o tal do ciclo vicioso não acaba. E todo esforço para que esse ciclo se rompa é facilmente trocado pela lógica da disputa interna do movimento.

01 março 2013

Afinal, o que foi Yoani Sánchez no Brasil?


Há um mês antes da vinda de Yoani Sánchez para o Brasil, Lula, em Cuba, aponta uma valiosa pista para que compreendamos o motivo de tanto faniquito causado pela imprensa brasileira e adversários do governo Dilma. Para o ex-presidente, Cuba tem um significado para todos nós, latino-americanos, até mesmo para aqueles que são contrários à revolução cubana: a força moral construída pelo povo cubano em defesa de sua dignidade e soberania tem que ser respeitada.

Não são poucos os cubanos detratores da socialista Cuba, porém quase todos moram em Miami. Yoani é a primeira, com destaque, que fala de dentro da ilha que trocou uma ditadura burguesa por uma operária. E é esperta a senhora Sánchez, pois diz que fala em nome de toda uma geração - a geração Y, ou a dos jovens que tem Y em seus nomes e que são nascidos nas décadas de 1970 e 1980. Portanto, mais que uma simples blogueira em meio a tantos milhares, o mundo conservador encontrou em "generación Y" uma pequena brecha na tão sólida e respeitada dignidade do povo cubano. 

Por outro lado, há algo em Yoani que não se sustenta. E o elemento insustentável é a própria Yoani. Basta relembrarmos dos incríveis jogos panamericanos de Havana, ou dos 'caliente' jogos de vôlei entre Brasil e Cuba para não conseguir ver Yoani como uma cubana. Todas as cubanas que conheci são extremamente vaidosas, mas diante de uma série de desleixos, é estranho olhar para a cubana Yoani e dizer: é cubana. O estranhamento não para por aí. Uma blogueira ser tratada como chefe de estado justamente pelos veículos de comunicação mais arrogantes da América Latina é algo que provoca por demais a inteligência. Ver o senador Suplicy se lembrar que é membro de uma das mais tradicionais famílias de São Paulo e afagar a blogueira como se ela fosse uma pobre exilada - sendo que não é exilada, muito menos pobre. Falar de democracia e liberdade de expressão ao lado de Caiado e Jair Bolsonaro, então, transborda o bom senso. E vai mais além: é aplaudida com lágrimas nos olhos por Alckmin, o mesmo que se tornou famoso pela sua higienização social e duros procedimentos policiais contra ativistas e estudantes quando ela falava em por fim ao medo de se manifestar.

Então, ao analisarmos os discursos de Yoani publicados em seu blog e nas entrevistas dadas na recepção de O Estado de São Paulo e do Roda Viva, encontramos então mais e mais incoerências. O discurso vai se quebrando com uma facilidade imensa, mesmo em debates armados onde as perguntas eram elaboradas para ela desfilar com respostas contundentes. Se compararmos o que ela dizia com o que a imprensa brasileira falava sobre o que ela dizia, então, a coisa se tornava ainda mais insustentável. 

A ciência política explica com uma facilidade imensa o que aconteceu. Yoani é a representante de uma classe social oprimida em Cuba. Porém, a classe social de Yoani é justamente aquela que oprime a maioria do povo brasileiro. Quando a blogueira se manifesta a favor de maiores poderes para sua classe social em um regime operário, as classes sociais que estão no poder aqui no Brasil, no regime burguês, logo se identificam e justificam em seu discurso a manutenção da opressão do povo trabalhador brasileiro. Como o ensino da cultura e da ciência política no Brasil é sistematicamente combatida para que a opressão da classe burguesa continue sem maiores problemas, a explicação científica fica ainda mais confusa para o público em geral.

No fim das contas, Yoani foi embora e ficou no ar a pergunta: afinal, o que ela queria? Um amigo, sagaz e com uma capacidade enorme para brincar com coisa séria, achou uma boa resposta: ora, ela queria abrir uma lan house em Havana.

Ósculos e amplexos!