Em minha última postagem neste blog, mostrava a minha indignação em relação ao oportunismo de algumas forças políticas brasileiras em relação ao Haiti. Tal postagem rendeu comentários favoráveis e desfavoráveis tanto no próprio blog quanto por correio eletrônico. Da reflexão sobre os bons argumentos que recebi de pessoas que respeito muito, e que nutro um grande carinho, tanto favorável quanto contrariamente a presença das tropas brasileiras no Haiti, resolvi escrever mais algumas palavras.
Primeiramente, é necessário refletir sobre o que é uma missão de paz da ONU. Seria, de fato, de imprudente inocência crer que se trata de uma missão de elevados valores espirituais e tudo o mais que a palavra paz encerra. É uma missão que impõe a paz das democracias burguesas, ou seja, que estrutura o país para que, no mínimo, aquele país não represente uma ameaça à ordem internacional e sua economia capitalista. Não se trata de uma paz ao povo haitiano, mas um apaziguamento das relações políticas internacionais que podem ser abaladas devido a calamidade que reside no Haiti. Nas condições que se encontra o Haiti, a economia não flui como deveria, as capacidades políticas dos países são testadas, e novos arranjos internacionais podem acontecer de acordo com o fracasso ou a vitória dos países envolvidos nos esforços de construção do país e estabilização das estruturas capitalistas.
Em meio a isso, o Brasil não tem outro elemento motivador senão a sua afirmação de independência internacional. Economicamente, no curto prazo e diretamente, as motivações financeiras não compensam o desgaste de se manter uma ocupação militar em solo estrangeiro. Não possuo dado mais atualizados e mais precisos, mas os dados que possuo demonstram que o Brasil exportou para o Haiti a média de 50 milhões de dólares por ano em mercadorias. Entretanto, o custo da manutenção das tropas brasileiras e de todo o aparato de ajuda humanitária incluindo o envio de alimentos e medicamentos superaram esses 50 milhões. Gerando uma receita negativa, o famoso prejuízo (fontes: MRE e jornal Valor Econômico). E, a longo prazo, o custo do lucro de uma exploração em terras haitianas dificilmente justificaria maiores investimentos no país, mesmo que grandes corporações, principalmente as empreiteiras, sejam as que lucrarão e bastante com os esforços de reconstrução do Haiti. Definitivamente, não está no argumento econômico a motivação brasileira.
Há sim uma motivação política. E que se dá em meio a uma queda de braço justamente contra os Estados Unidos. Na medida em que o Brasil precisa demonstrar sua capacidade de independência internacional comandando as ações da ONU no Haiti, os Estados Unidos vai demonstrando toda a sua preocupação para com esse desejo de independência brasileira. Lembremos que as operações de paz comandadas pelos Estados Unidos, por meio das anticomunistas e altamente repressoras missões da OEA, criaram os Papa e Baby Doc, Aristides, e outros facínoras no comando haitiano e os depuseram, ou seja, os EUA patrocinaram boa parte do caos que se tornou o Haiti. Todo sucesso brasileiro em terras haitianas demonstra o fracasso estadunidense, ampliando o quadro de liderança regional que o Brasil tanto pleiteia.
E agora, a pergunta: e o povo haitiano? Com todos os problemas históricos de ordem política e econômica, teve ainda terremotos que abalaram de vez com todo o país. Poderíamos dizer, sem maiores exageros, de uma nação inteira em condições lumpenproletárias. E em tais condições, sequer soberania, tampouco autodeterminação são possíveis no estágio atual. O marxismo nos ensina que o proletariado não deve ficar à margem da estrutura burguesa, não deve ser indiferente a ela, e incita-o a participar nela de modo energético a fim de construir os elementos necessários para que a democracia proletária apareça em um horizonte possível.
Enquanto as condições mínimas de democracia burguesa não existirem no Haiti, não haverá trabalhadores haitianos. Quiçá a menor capacidade de trazer para o povo haitiano qualquer compreensão revolucionária. Em meio a toda a calamidade, em meio a toda a miséria e fome generalizada que há no Haiti, e que foi ainda mais seriamente agravada com os terremotos, falar em liberdade e transformação da luta econômica para a luta política seria como falar com as paredes.
A ajuda humanitária internacional, aliada com a missão de paz da ONU, ainda que pese todos os interesses insensíveis tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, ainda que pese todos os elementos catastróficos que o capitalismo provoca por onde passa, é atualmente a única possibilidade de sobrevivência do povo haitiano. A missão de paz da ONU é hoje a única fonte de organização das estruturas democráticas, obviamente que burguesas. Mas que à partir dessa estrutura é que terá novamente trabalhadores em condições de conscientização. Somente à partir desse mínimo é que as massas trabalhadoras poderão lutar pelo apoderamento das máquinas de seus exploradores.
Por fim, todo esforço a fim de aliviar as dores do povo haitiano nesse momento é válido. E, sem a menor capacidade soberana, o governo haitiano depende justamente da Minustah para as operações de distribuição de alimentos e água, esforços de reconstrução das estruturas essenciais do Estado, e o inevitável e preocupante controle de epidemias. Na queda de braço citada anteriormente, os Estados Unidos já enviaram tropas forçando a divisão de poderes da coordenação brasileira da Minustah. É muita coisa envolvida para uma reivindicação de imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. E sua retirada imediata é justamente o maior serviço que podemos prestar para a continuidade da situação caótica que vive o povo haitiano. É aumentar o poderio estadunidense e diminuir a possibilidade de maior independência internacional. É, no mínimo, ser insensível a dor de nossos irmãos da América Central.
Ósculos e Amplexos.
Primeiramente, é necessário refletir sobre o que é uma missão de paz da ONU. Seria, de fato, de imprudente inocência crer que se trata de uma missão de elevados valores espirituais e tudo o mais que a palavra paz encerra. É uma missão que impõe a paz das democracias burguesas, ou seja, que estrutura o país para que, no mínimo, aquele país não represente uma ameaça à ordem internacional e sua economia capitalista. Não se trata de uma paz ao povo haitiano, mas um apaziguamento das relações políticas internacionais que podem ser abaladas devido a calamidade que reside no Haiti. Nas condições que se encontra o Haiti, a economia não flui como deveria, as capacidades políticas dos países são testadas, e novos arranjos internacionais podem acontecer de acordo com o fracasso ou a vitória dos países envolvidos nos esforços de construção do país e estabilização das estruturas capitalistas.
Em meio a isso, o Brasil não tem outro elemento motivador senão a sua afirmação de independência internacional. Economicamente, no curto prazo e diretamente, as motivações financeiras não compensam o desgaste de se manter uma ocupação militar em solo estrangeiro. Não possuo dado mais atualizados e mais precisos, mas os dados que possuo demonstram que o Brasil exportou para o Haiti a média de 50 milhões de dólares por ano em mercadorias. Entretanto, o custo da manutenção das tropas brasileiras e de todo o aparato de ajuda humanitária incluindo o envio de alimentos e medicamentos superaram esses 50 milhões. Gerando uma receita negativa, o famoso prejuízo (fontes: MRE e jornal Valor Econômico). E, a longo prazo, o custo do lucro de uma exploração em terras haitianas dificilmente justificaria maiores investimentos no país, mesmo que grandes corporações, principalmente as empreiteiras, sejam as que lucrarão e bastante com os esforços de reconstrução do Haiti. Definitivamente, não está no argumento econômico a motivação brasileira.
Há sim uma motivação política. E que se dá em meio a uma queda de braço justamente contra os Estados Unidos. Na medida em que o Brasil precisa demonstrar sua capacidade de independência internacional comandando as ações da ONU no Haiti, os Estados Unidos vai demonstrando toda a sua preocupação para com esse desejo de independência brasileira. Lembremos que as operações de paz comandadas pelos Estados Unidos, por meio das anticomunistas e altamente repressoras missões da OEA, criaram os Papa e Baby Doc, Aristides, e outros facínoras no comando haitiano e os depuseram, ou seja, os EUA patrocinaram boa parte do caos que se tornou o Haiti. Todo sucesso brasileiro em terras haitianas demonstra o fracasso estadunidense, ampliando o quadro de liderança regional que o Brasil tanto pleiteia.
E agora, a pergunta: e o povo haitiano? Com todos os problemas históricos de ordem política e econômica, teve ainda terremotos que abalaram de vez com todo o país. Poderíamos dizer, sem maiores exageros, de uma nação inteira em condições lumpenproletárias. E em tais condições, sequer soberania, tampouco autodeterminação são possíveis no estágio atual. O marxismo nos ensina que o proletariado não deve ficar à margem da estrutura burguesa, não deve ser indiferente a ela, e incita-o a participar nela de modo energético a fim de construir os elementos necessários para que a democracia proletária apareça em um horizonte possível.
Enquanto as condições mínimas de democracia burguesa não existirem no Haiti, não haverá trabalhadores haitianos. Quiçá a menor capacidade de trazer para o povo haitiano qualquer compreensão revolucionária. Em meio a toda a calamidade, em meio a toda a miséria e fome generalizada que há no Haiti, e que foi ainda mais seriamente agravada com os terremotos, falar em liberdade e transformação da luta econômica para a luta política seria como falar com as paredes.
A ajuda humanitária internacional, aliada com a missão de paz da ONU, ainda que pese todos os interesses insensíveis tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, ainda que pese todos os elementos catastróficos que o capitalismo provoca por onde passa, é atualmente a única possibilidade de sobrevivência do povo haitiano. A missão de paz da ONU é hoje a única fonte de organização das estruturas democráticas, obviamente que burguesas. Mas que à partir dessa estrutura é que terá novamente trabalhadores em condições de conscientização. Somente à partir desse mínimo é que as massas trabalhadoras poderão lutar pelo apoderamento das máquinas de seus exploradores.
Por fim, todo esforço a fim de aliviar as dores do povo haitiano nesse momento é válido. E, sem a menor capacidade soberana, o governo haitiano depende justamente da Minustah para as operações de distribuição de alimentos e água, esforços de reconstrução das estruturas essenciais do Estado, e o inevitável e preocupante controle de epidemias. Na queda de braço citada anteriormente, os Estados Unidos já enviaram tropas forçando a divisão de poderes da coordenação brasileira da Minustah. É muita coisa envolvida para uma reivindicação de imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. E sua retirada imediata é justamente o maior serviço que podemos prestar para a continuidade da situação caótica que vive o povo haitiano. É aumentar o poderio estadunidense e diminuir a possibilidade de maior independência internacional. É, no mínimo, ser insensível a dor de nossos irmãos da América Central.
Ósculos e Amplexos.
3 comentários:
É, Michael...
Eu refoço a minha postura:
De um lado se faz necessário o socorro em relação à catástrofe natural acontecida, sim.
Mas mantenho a posição que, de outro lado, (ao que tudo retorne do ponto de onde se partiu) a discussão da presença estrangeira deva ser discutida.
Cara, eu acredito que as condições em que vivem as pessoas no Haiti são o reflexo direto das vontades de gente que agora faz "pose de bom moço", sim.
Agora ficam as diversas falas se entrecruzando.
Só para contribuir com um tantinho a mais de lenha para essa fogueira, coloco a ulr do texto do Galeano que enviei pro seu e-mail:
http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/01/15/los-pecados-de-haiti/
O texto é bom...
Gosto do jeito dele de abordar os fatos, gosto do seu tom poético e me identifico com a construção materialista de sua leitura do mundo, na ampla maioria das vezes.
Então que venha o Galeano, com o resgate histórico de como o povo do Haiti sofreu com a escravidão e de como construiu a sua independência (bem como das retaliações sofridas, a partir disso) para contribuir com o nosso bom debate.
São os haitianos lá, sempre foram... os que são da terra, mesclados com os que foram levados nas correntes.
Temo a intromissão estrangeira, o pseudo direito de julgar e definir os rumos de uma nação que não a minha. Essa postura me remete à crença de que em algum momento alguém é superior, mais evoluído, mais capaz que outro. Quando deixamos isso chegar às proporções de nações (comparando a capacidade de um povo vivenciar a democracia, em relação aos outros povos) fica ainda mais grave.
São colocações muito sérias que eu não me atrevo a fazer... me dá medo de beirarmos o nazismo.
Mas de algo eu tenho certeza, penso que se não há respeito à soberania de um povo, não poderá se garantir a soberania para nenhum dos povos, n'est-ce pas?
P.S. prolixa o suficiente para ter alguns segundos seus? (risos)
Te amo, meu irmão!!!
Bjs
Uau! Deu mesmo o que falar minhas postagens sobre o Haiti. Realmente, não acredito, e creio que não haja quem acredite, que há bons moços em toda essa história. Toda ingerência, seja ela necessária ou não, é um ato de transgressão a soberania de um país e ao direito de se auto-determinar de um povo. De um lado, há interesses dos países "da ajuda" que podem, no máximo, contribuir para alguns interesses do povo "ajudado". De outro, o grande capital diariamente dá demonstrações de que o que manda é o lucro, e não a solidariedade e o respeito à vida humana.
Entretanto, é um caso de barbárie total o que vinha acontecendo no Haiti e que os terremotos que assolaram o país agravaram ainda mais a situação daquele povo. Importante lembrar que a intervenção da comunidade internacional no Haiti foi pedida tanto pelo próprio povo haitiano quanto pelas "autoridades" locais (obviamente, cada uma com interesses bastantes distintos e por demais antagônicos).
Agora, concordo contigo que as ações da Minustah devem ser tratadas com menos coração e mais observação. Ainda que seja um "mal necessário" na minha opinião, não deixa de ser um mal. Por outro lado, deixar à mercê da sorte nesse momento todo aquele povo, soa-me como uma falta se sensibilidade.
Sei que qualquer opinião sobre o Haiti será polêmica. O que me irrita é o oportunismo, principalmente daqueles que utilizam da bandeira "Fora tropas brasileiras do Haiti" para fins absolutamente conjunturais brasileiros (demonstrando que a ação brasileira é ruim, ruim será todo o governo Lula e seus consortes). Ou pior, declarações como a do pastor americano, de puro preconceito, dizendo que a culpa da miséria do povo haitiano é devido à sua cultura e religião afro; e não ao histórico colonial e de intervenções avassaladoras das grandes corporações e dos países imperialistas.
Também te amo, maninha... e segue o debate!
Bom, Micha, mesmo fazendo as contas diretas, tem as indiretas. E tem a situação da transferência público-privada.
Digamos que o governo brasileiro gaste R$50 mi no Haiti e uma empreiteira ganhe R$10 mi. Saldo positivo para quem "manda" no governo.
Só coloquei isso para continuar afirmando a tese econômica.
Outro ponto é se o Haiti está sendo ajudado ou militarmente ocupado.
No momento, o vilão não é o Brasil, mas os EUA. Recomendo a leitura deste artigo no blog do Finantial Times:
blogs.ft.com/ft-dot-comment/2010/01/19/foreign-policy-posturing-is-not-helping-haiti/#comments
Mesmo num jornal inglês que trata de $$$ foi possível criticar a postura de ocupação.
Bom, e os destemidos médicos cubanos parecem estar ajudando de verdade e olhe que não sou dos fans do Fidel.
No artigo do Eduardo Galeano fiquei impressionado com a História do Haiti.
Michael, todo esse debate é sinal que seu blog é palco de debate na internet. Ponto de encontro de idéias e captador de polêmicas. É o sonho dos blogueiros.
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