26 janeiro 2010

Quando uma solução provoca ainda mais confusão.


De um lado, o presidente francês Sarkozy: "o uso da burca (burqa) reduz a mulher à servidão ... não é um sinal de religião, mas de subserviência". De outro, a respeitada Human Rights Watch: "a liberdade de exprimir religião e a liberdade de consciência são direitos fundamentais". No meio, a polêmica sobre o Estado francês proibir o uso da burca em edifícios públicos.

Deixando um pouco de lado as acusações de que o presidente francês estaria apoiando uma espécie de combate à imigração, um clássico problema social da direita francesa (e que vale outro excelente debate), o debate rende algumas opiniões interessantes. O fato é que o uso da burca registra uma das mais tradicionais formas de opressão de gênero. E que choca o mundo ocidental, pois se trata de uma opressão explícita. Entretanto, a sua proibição por força de lei provoca o questionamento sobre qual é o limite da liberdade de expressão religiosa diante de um estado laico?

Não li todo o alcorão, mas até a metade que li, e segundo os que já leram e estudaram profundamente o livro sagrado dos muçulmanos, não há nenhuma referência quanto ao uso dessa vestimenta. Trata-se de um costume tribal que se alastrou por diversas partes do Oriente Médio e que, devido às ondas migratórias dessa região para a Europa, tornou-se possível ver mulheres com essa vestimenta nas ruas parisienses com certa regularidade. O argumento usado pela organização de direitos humanos citada acima defende que tal costume deve ser resguardado pelo Estado, por ser o direito de expressão religiosa um direito humano fundamental. Ou seja, havendo mulheres que desejem manter essa cultura, o estado, mesmo que laico ou ainda ateu, deve proteger essa vontade.

Acontece que acima do direito de expressão religiosa se encontra o direito de ser livre. Não encontramos e nem encontraremos o direito de ser oprimido. Uma burca é uma opressão do qual aquelas que a defendem ou fazem por medo, ou por alienação cultural de seus pais e maridos. Permitir essa violência em nome do direito de se expressar religiosamente é permitir que o direito à igualdade de gênero seja desrespeitado. Um estado laico deve dar todo o suporte, mobilizando suas capacidades de defesa e proteção social para que proteja toda mulher que opte por se livrar de tais vestes opressoras. O Estado deve investir na conscientização da população para que combata toda forma de violência contra a mulher.

Ao se proibir por força de lei o uso da burca, por outro lado, o tiro pode sair pela culatra. Os defensores do uso da burca poderão proibir suas mulheres de saírem de casa. O cárcere privado poderá prevalecer por conta da medida proibitória do uso da vestimenta. O que se revela uma solução que provocará ainda mais confusão. E uma vez em cárcere privado, torna-se inimaginável as formas distintas de violência que a mulher irá sofrer. O Estado acabará favorecendo uma violência ainda maior de acordo com a forma adotada para combater outra forma de violência.

No fim das contas, a mulher fica entre a opressão do costume religioso que a obriga a usar burca e a opressão do Estado que a proibirá de usar. Manter como está não é bom, mudar dessa forma também não é. Surge um impasse que não poderá ser resolvido sem consultar, principalmente, as mulheres sobre qual a solução para essa questão. Então pergunto: qual a solução, queridas mulheres? (lembremos que as possibilidades são infinitas, muito além das duas únicas expostas nesse texto - a manutenção ou a proibição por força de lei).

Ósculos e amplexos!

2 comentários:

Leonardo de Araújo disse...

A pergunta do Michael certamente será melhor respondida pelas mulheres. As palavras da Queisse terão mais validade que as minhas neste caso.
Como leitor habitual dessa Cozinha, contudo, não posso deixar de expressar a reflexão que o amigo escritor suscitou. Havia acompanhado de longe as notícias na imprensa, todavia só dando um cheiro aqui na Cozinha é que fui inspirado a pensar sobre o caso.
Baixar uma lei proibindo o uso é quase tão fácil quanto deixar pra lá.
O difícil é compreender o aspecto cultural disso e trilhar o caminho mais árduo, o de debater a verdadeira libertação da mulher (e do homem).
É possível que - e trata-se de hipótese mesmo - veladamente o intuito seja facilitar a identificação de tais mulheres vindas do oriente médio para segurança pública. Quantos quilos de bomba podem estar debaixo de uma burca? É lamentável quando os direitos humanos são usados como desculpas para outros fins.
Seria melhor que não existissem burcas, nem na França, nem no Afeganistão. E seria melhor que esse tipo de coisa não fosse usada como desculpa auxiliar para invadir países só para cotrolar o petróleo e o gás.
Também seria melhor que estudantes não fossem agredidas e expulsas por estarem, quem sabe, "exibindo-se demais". Assim como o Haiti, o Taliban é aqui.

Michael Genofre disse...

São os comentários que animam continuar escrevendo.Mais uma vez, obrigado pela visita e pelo comentário.

Refletindo sobre as medidas adotadas por Sarkozy, é possível identificar um tom xenofóbico. Muito esperto, partir para um enfrentamento radical contra as burqas não iria atrair maiores repulsas da sociedade francesa. Mas, a sociedade internacional identificou os problemas de tais medidas e a polêmica está criada.

A emancipação da mulher certamente não é o pano de fundo da política francesa. Mas as medidas xenofóbicas que fazem da proibição da Burqa apenas mais uma infeliz proposta de colocar o aparato do Estado contra todo um povo, que porventura teve ondas migratórias imensas para todo o continente europeu.

Concordo contigo, dessa maneira, uma medida proibitória como essa é solução tão fácil quanto a sua manutenção. E certamente esconde outros interesses certamente xenofóbicos.

Quanto outras opressões, como o caso da UniTALIban, ou a questão das medidas sempre insuficientes e torpes no combate à prostituição, ou ainda os velhos e "inocentes" comerciais de cerveja que prometem uma mulher-objeto dentro de cada uma de suas garrafas, etc, dão provas cotidianas que a emancipação feminina ainda é um caminho muito longo a ser trilhado. Cabe a nós, homens conscientes, nosso total apoio e solidariedade.