26 janeiro 2010

Desfazendo uma injustiça com a Justiça.

Como diria Dalton Trevisan: "província, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor, viajo, viajo, viajo". Dentre suas histórias, uma que faço sempre questão de contar para quem chega de outras cidades é a gambiarra que se tornou o Centro Cívico. Mais especificamente, a praça 19 de Dezembro.

Para comemorar o centenário de emancipação política do Paraná, o governador da época , Bento Munhoz da Rocha Neto, ousou em planejar o que seria o Centro Cívico de Curitiba. Planejar um todo conjunto arquitetônico para ser, ao mesmo tempo, sede dos três poderes do Estado mais a prefeitura da sua sede política, e também um conjunto multifuncional era coisa inédita no país. E tal ousadia somente iria se repetir quando do projeto de Lúcio Costa na construção de Brasília. No Paraná, para o nosso "plano piloto", ou o conjunto arquitetônico do Centro Cívico, foi convidado o arquiteto curitibano e professor da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (hoje UFRJ) David Xavier de Azambuja. Que, por sua vez, convidou o carioca, diplomata e arquiteto Olavo Redig de Souza, o arquiteto catarinense Flávio Almícar Régis do Nascimento, e seu aluno, o carioca Sérgio Rodrigues.

Tudo estava planejado para as comemorações do centenário. Entretanto, faltou mão-de-obra, faltou concreto e faltou ferro para todas as construções serem levantadas a tempo da inauguração. O resultado foi a redução drástica do projeto inicial. Ainda assim, para piorar, corria-se o risco de chegar o dia do centenário e não ter nada pronto para inaugurar. A solução foi inaugrar uma praça.

A praça 19 de dezembro existia no projeto original com o nome de "Praça do Centenário", mas era para ter sido feita em frente ao Palácio Iguaçu. Entretanto, o que havia ali era um imenso canteiro de obras, e que pegaria muito mal inaugurar algo assim. Então, o jeito foi improvisar. Mas nada que venha de Bento Munhoz poderia ser algo modesto. Então, uma grande obra inspirada no movimento paranista foi construído ali. Para um imenso painel retratanto momentos importantes da historia paranaense, principalmente toda a migração que construiu o Estado do Paraná, foram convidados os artistas Poty Lazarotto e Erbo Stenzel. Além de um imenso obelisco, demonstrando a força da estrutura do Estado do Paraná, com seus fundadores e administradores registrados em sua base, e em seu topo o brasão de armas do Paraná.

A gambiarra não acabou por ali. Convidado para esculpir o "Homem Paranaense", foi convidado o artista Humberto Cozzo. E, dois anos depois da inauguração da praça, o artista choca a população com uma estátua incomum para os padrões da época. Tratava-se de um adolescente, dando um passo em direção ao oeste do Estado, completamente nu e com um pênis em repouso e "bem dotado", maior que a metade da coxa. Para piorar, o "Homem Paranaense", batizado pela população local de "Homem Pelado", possuía traços de todas as etnias que compuseram o estrato social do Estado. É possível identificar todas as etnias nele, lábios de negro, nariz de indígena, cabelos de branco, e por aí vai.

Polêmica vai, polêmica vem, hoje todo mundo conhece a praça justamente como "a praça do homem pelado. Mas, a gambiarra não acabou com a estátua do "homem pelado". Humberto Cozzo também foi convidado para fazer um monumento para o Tribunal de Justiça. E então criou "a Justiça". Mas, a obra não foi aceita pelos juizes e juristas curitibanos. Tratava-se de uma mulher nua, de medidas fartas, sem venda, sem balança, sem espada, e com olhos bem abertos e um certo sorriso maroto em seus lábios. A estátua foi condenada a ficar escondida por vinte anos nos fundos do Palácio Iguaçu, até que resolveram colocá-la ao lado do Homem Pelado.

O casamento do Homem Pelado com a Mulher Pelada desconfigurou completamente a Praça 19 de Dezembro. De gambiarra em gambiarra, hoje poucos curitibanos imaginam todos os significados da praça, principalmente a enorme desproporção entre os "nubentes". E, recentemente, uma corrente pela internet organizada por diversos historiadores e arquitetos desejam que a Justiça vá para onde deveria ter sido colocada: em frente ao Tribunal de Justiça. O resultado: temos uma nova polêmica na cidade.

Essa Curitiba, que amo, viajo, viajo, viajo.


Ósculos e amplexos!

5 comentários:

Queisse disse...

Hummmm...
Saudades da praça, eu não tenho! Hehehe
Poucas lembranças lá...
Quanto à "Dona Justiça", por mim, deve ficar onde está!
Quem sou eu para votar pela separação de casais?
Sou a favor do casamento para a vida inteira, Ainda mais que não tenho nenhum relato do casal brigando (apesar da total falta de proporção entre eles - deve ser aquilo de "os diferentes se atrairem", mesmo... hehehe).
Agora, de vc... ah! Quanta saudade, meu irmão!!!

Michael Genofre disse...

Eu sempre nutro uma pequena paixão por essa praça. Ela é riquíssima em detalhes, ainda que tenha sido sabotada por diversos motivos. Além da sabotagem social que sua história possui, ela ainda é mal conservada. Quanto à Justiça, ela hoje já faz parte do imaginário coletivo, e fica quase impossível se imaginar o homem e a mulher pelada separados. Mas, defendo ainda que a justiça seja feita com a Justiça. Tanto em homenagem ao autor, quanto à história artística da praça... (que definitivamente não cabe a presença dela).

Quanto às saudades.. nesse ponto a recíproca é imensamente verdadeira... beijos maninha!

Jair Elias dos Santos Júnior disse...

Caro Michael,

Seria uma boa luta, a idéia de devolver a estátua da mulher para o Tribunal de Júri. Aliás a fachada daquele prédio teria um painel de Portinari. Bento Munhoz e Stenzel não concordaram com a transferência da estátua para a praça 19 de dezembro, em 1972.
Relato este erro e injustiça no livro "Palácio Iguaçu: coragem de realizar de Bento Munhoz da Rocha Netto", de minha autoria.

Michael Genofre disse...

Jair,

Quanta honra ter sua ilustre visita em meu humilde blog... não é sempre que encontramos um membro da academia de letras comentando. Mas, concordo que a história da peça é mais importante que o apreço "gambiarra" que a população tem com a praça desfigurada. A peça "Justiça" tem uma história, tem um autor, tem um motivo, e todos devem ser respeitados.

Lembro-me da estátua belíssima na fachada da sede do judiciário do Rio Grande do Sul; também possui olho aberto e seios volumosos expostos... e a estátua se destaca em meio a uma praça tão bela quanto...

Uno-me à luta pelo resgate histórico.

Amplexos

Twigy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.