26 janeiro 2010

Desfazendo uma injustiça com a Justiça.

Como diria Dalton Trevisan: "província, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor, viajo, viajo, viajo". Dentre suas histórias, uma que faço sempre questão de contar para quem chega de outras cidades é a gambiarra que se tornou o Centro Cívico. Mais especificamente, a praça 19 de Dezembro.

Para comemorar o centenário de emancipação política do Paraná, o governador da época , Bento Munhoz da Rocha Neto, ousou em planejar o que seria o Centro Cívico de Curitiba. Planejar um todo conjunto arquitetônico para ser, ao mesmo tempo, sede dos três poderes do Estado mais a prefeitura da sua sede política, e também um conjunto multifuncional era coisa inédita no país. E tal ousadia somente iria se repetir quando do projeto de Lúcio Costa na construção de Brasília. No Paraná, para o nosso "plano piloto", ou o conjunto arquitetônico do Centro Cívico, foi convidado o arquiteto curitibano e professor da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (hoje UFRJ) David Xavier de Azambuja. Que, por sua vez, convidou o carioca, diplomata e arquiteto Olavo Redig de Souza, o arquiteto catarinense Flávio Almícar Régis do Nascimento, e seu aluno, o carioca Sérgio Rodrigues.

Tudo estava planejado para as comemorações do centenário. Entretanto, faltou mão-de-obra, faltou concreto e faltou ferro para todas as construções serem levantadas a tempo da inauguração. O resultado foi a redução drástica do projeto inicial. Ainda assim, para piorar, corria-se o risco de chegar o dia do centenário e não ter nada pronto para inaugurar. A solução foi inaugrar uma praça.

A praça 19 de dezembro existia no projeto original com o nome de "Praça do Centenário", mas era para ter sido feita em frente ao Palácio Iguaçu. Entretanto, o que havia ali era um imenso canteiro de obras, e que pegaria muito mal inaugurar algo assim. Então, o jeito foi improvisar. Mas nada que venha de Bento Munhoz poderia ser algo modesto. Então, uma grande obra inspirada no movimento paranista foi construído ali. Para um imenso painel retratanto momentos importantes da historia paranaense, principalmente toda a migração que construiu o Estado do Paraná, foram convidados os artistas Poty Lazarotto e Erbo Stenzel. Além de um imenso obelisco, demonstrando a força da estrutura do Estado do Paraná, com seus fundadores e administradores registrados em sua base, e em seu topo o brasão de armas do Paraná.

A gambiarra não acabou por ali. Convidado para esculpir o "Homem Paranaense", foi convidado o artista Humberto Cozzo. E, dois anos depois da inauguração da praça, o artista choca a população com uma estátua incomum para os padrões da época. Tratava-se de um adolescente, dando um passo em direção ao oeste do Estado, completamente nu e com um pênis em repouso e "bem dotado", maior que a metade da coxa. Para piorar, o "Homem Paranaense", batizado pela população local de "Homem Pelado", possuía traços de todas as etnias que compuseram o estrato social do Estado. É possível identificar todas as etnias nele, lábios de negro, nariz de indígena, cabelos de branco, e por aí vai.

Polêmica vai, polêmica vem, hoje todo mundo conhece a praça justamente como "a praça do homem pelado. Mas, a gambiarra não acabou com a estátua do "homem pelado". Humberto Cozzo também foi convidado para fazer um monumento para o Tribunal de Justiça. E então criou "a Justiça". Mas, a obra não foi aceita pelos juizes e juristas curitibanos. Tratava-se de uma mulher nua, de medidas fartas, sem venda, sem balança, sem espada, e com olhos bem abertos e um certo sorriso maroto em seus lábios. A estátua foi condenada a ficar escondida por vinte anos nos fundos do Palácio Iguaçu, até que resolveram colocá-la ao lado do Homem Pelado.

O casamento do Homem Pelado com a Mulher Pelada desconfigurou completamente a Praça 19 de Dezembro. De gambiarra em gambiarra, hoje poucos curitibanos imaginam todos os significados da praça, principalmente a enorme desproporção entre os "nubentes". E, recentemente, uma corrente pela internet organizada por diversos historiadores e arquitetos desejam que a Justiça vá para onde deveria ter sido colocada: em frente ao Tribunal de Justiça. O resultado: temos uma nova polêmica na cidade.

Essa Curitiba, que amo, viajo, viajo, viajo.


Ósculos e amplexos!

Quando uma solução provoca ainda mais confusão.


De um lado, o presidente francês Sarkozy: "o uso da burca (burqa) reduz a mulher à servidão ... não é um sinal de religião, mas de subserviência". De outro, a respeitada Human Rights Watch: "a liberdade de exprimir religião e a liberdade de consciência são direitos fundamentais". No meio, a polêmica sobre o Estado francês proibir o uso da burca em edifícios públicos.

Deixando um pouco de lado as acusações de que o presidente francês estaria apoiando uma espécie de combate à imigração, um clássico problema social da direita francesa (e que vale outro excelente debate), o debate rende algumas opiniões interessantes. O fato é que o uso da burca registra uma das mais tradicionais formas de opressão de gênero. E que choca o mundo ocidental, pois se trata de uma opressão explícita. Entretanto, a sua proibição por força de lei provoca o questionamento sobre qual é o limite da liberdade de expressão religiosa diante de um estado laico?

Não li todo o alcorão, mas até a metade que li, e segundo os que já leram e estudaram profundamente o livro sagrado dos muçulmanos, não há nenhuma referência quanto ao uso dessa vestimenta. Trata-se de um costume tribal que se alastrou por diversas partes do Oriente Médio e que, devido às ondas migratórias dessa região para a Europa, tornou-se possível ver mulheres com essa vestimenta nas ruas parisienses com certa regularidade. O argumento usado pela organização de direitos humanos citada acima defende que tal costume deve ser resguardado pelo Estado, por ser o direito de expressão religiosa um direito humano fundamental. Ou seja, havendo mulheres que desejem manter essa cultura, o estado, mesmo que laico ou ainda ateu, deve proteger essa vontade.

Acontece que acima do direito de expressão religiosa se encontra o direito de ser livre. Não encontramos e nem encontraremos o direito de ser oprimido. Uma burca é uma opressão do qual aquelas que a defendem ou fazem por medo, ou por alienação cultural de seus pais e maridos. Permitir essa violência em nome do direito de se expressar religiosamente é permitir que o direito à igualdade de gênero seja desrespeitado. Um estado laico deve dar todo o suporte, mobilizando suas capacidades de defesa e proteção social para que proteja toda mulher que opte por se livrar de tais vestes opressoras. O Estado deve investir na conscientização da população para que combata toda forma de violência contra a mulher.

Ao se proibir por força de lei o uso da burca, por outro lado, o tiro pode sair pela culatra. Os defensores do uso da burca poderão proibir suas mulheres de saírem de casa. O cárcere privado poderá prevalecer por conta da medida proibitória do uso da vestimenta. O que se revela uma solução que provocará ainda mais confusão. E uma vez em cárcere privado, torna-se inimaginável as formas distintas de violência que a mulher irá sofrer. O Estado acabará favorecendo uma violência ainda maior de acordo com a forma adotada para combater outra forma de violência.

No fim das contas, a mulher fica entre a opressão do costume religioso que a obriga a usar burca e a opressão do Estado que a proibirá de usar. Manter como está não é bom, mudar dessa forma também não é. Surge um impasse que não poderá ser resolvido sem consultar, principalmente, as mulheres sobre qual a solução para essa questão. Então pergunto: qual a solução, queridas mulheres? (lembremos que as possibilidades são infinitas, muito além das duas únicas expostas nesse texto - a manutenção ou a proibição por força de lei).

Ósculos e amplexos!

25 janeiro 2010

Filofobia* (ou dez maneiras para se detonar qualquer relacionamento)


Já afirmei neste blog que possuo algumas aversões ao estilo "auto-ajuda". Mas, depois de alguns acontecimentos recentes, resolvi contribuir com esse estilo literário. Isso é devido a algumas horas em que me vi no meio de uma crise de relacionamento entre meus queridos amigos e amigas. E o resultado foi justamente toda minha paciência e dedicação a eles e elas gastas em uma espécie de DR (Discutir Relação) alheia. Observando os motivos pelas brigas entre os mais distintos casais, inclusive algumas de minhas próprias em algum lugar do passado, percebi que algumas atitudes são bastante comuns e responsáveis por detonar qualquer relacionamento. Ei-las:

1. Sempre cobre todos os sacrifícios ou ações abnegadas que você escolheu fazer pela pessoa amada. Exija diariamente o devido reconhecimento. Principalmente dos sacrifícios silenciosos, ou seja, aqueles que somente você mesmo viu acontecer. "Jogue na cara" que a pessoa nunca reconheceu os seus sacrifícios, ou que os sacrifícios da outra pessoa sequer se equiparam aos que você já fez.

2. Diariamente, e por diversas vezes ao dia, dedique-se a provar e demonstrar que tão somente a sua maneira de pensar é correta ou verdadeira. É importante mostrar que a pessoa não é perfeita, mesmo que todo ser humano saiba disso e muito bem. Tão somente as suas respostas são capazes de resolver qualquer problema. E para garantir a total eficácia dessa atitude, fique sempre na defensiva e fechado para qualquer nova informação.

3. Seja radical em todas as suas observações sobre a outra pessoa e exagere-as ao máximo, principalmente os aspectos negativos. Reforce cada aspecto negativo que a outra pessoa possui comparando-a sempre com algum parente da pessoa, principalmente pai e mãe. E valorize ao máximo somente os aspectos positivos adquiridos após ter iniciado o relacionamento com você.

4. Tenha uma lista de regras inflexíveis sobre como se comportar, agir, e até mesmo pensar sobre cada situação da vida. Apresente-as de maneira óbvia e lógica de tal maneira que qualquer possibilidade de questionamento aparente ser uma imensa imbecilidade. Importante também obrigar a pessoa a se comportar sempre de acordo com essas regras, sempre apresentando-se como o grande policial responsável pela salvação em casos de indisciplina para com tais regras.

5. Não importa o que aconteça de errado em sua vida, a culpa é sempre da pessoa amada. Se estiver triste, a culpa é do outro por ter lhe deixado ficar entristecido. Se está sem ideias, a culpa é do outro por não lhe inspirar. Se engordou ou se emagreceu demais, a culpa é do outro por não ter cuidado de sua alimentação ou das famosas "fugas" da dieta.

6. Nunca veja sua ou seu companheiro como é, ou seja, como um ser humano que possui virtudes e defeitos. Visualize a pessoa sempre ou no céu ou no inferno, nunca na terra e ao seu lado. Ou a pessoa é a peça perfeita para a garantia de sua felicidade, ou é o demônio destruidor de todas as suas oportunidades de ser feliz. E o mais importante: demonstre-se solicito em sempre mostrar quando a pessoa não está correspondendo ser o anjo que você projetou em sua imaginação.

7. Se a pessoa amada lhe fez algum mal em algum momento qualquer da vida, seja obsessivo ao pensar que esse mal irá ocorrer novamente ou talvez até várias vezes. Nenhum perdão deve ser completo e ser deixado totalmente no passado. Afinal todo mundo é incapaz de aprender com os erros ou de se arrepender, sequer compreender, da dor que por ventura te provocou algum dia.

8. Sempre suponha que a pessoa irá se transformar completamente simplesmente para melhor se adaptar ao seu estilo de vida ou forma de pensar. Importante também pressionar sempre ou, caso contrário, sua felicidade estará comprometida pelo fato da outra pessoa não lhe satisfazer seus gostos ou caprichos pessoais.

9. Considere que a pessoa amada, ao iniciar o relacionamento contigo, passou por uma espécie de batismo para uma vida nova. A partir desse momento, todos os amigos, toda a história de vida, todos os sentimentos bons vividos no passado deverão ser imediatamente esquecidos em nome da vida verdadeira que somente iniciou quando você estava ao seu lado. Importante investigar todos esses momentos passados, principalmente os que deram errado, para jogar na cara da outra pessoa sempre que algo lhe fizer relembrar qualquer um desses bons momentos.

10. Ciúmes e demonstrações de total possessividade são as maiores declarações de amor que uma pessoa pode dar a outra. Não importa quem ou o que, tudo poderá fazer com que a pessoa minta, omita, ou te traia com outra pessoa. Não se engane com o olhar daquele gato ou cachorro de estimação, eles poderão roubar os olhares de sua pessoa amada de você. E o mais importante: é impossível haver amizades sinceras e saudáveis entre homem e mulher sem qualquer conotação sexual.

Ósculos e amplexos, e reflitam!

* Filofobia: medo de se enamorar.
PS: baseado no artigo de Ekroth, G. "Las ocho actitudes que enloquecen a su pareja".

22 janeiro 2010

Observações: resultado da UFPR.

Marcelo Elias / Agência de Notícias Gazeta do Povo


Hoje saiu o resultado do vestibular da UFPR. É o de sempre: uma mistura de alegria, aos que passaram, e de absoluta tristesa para os que não passaram. E é o de sempre também a dificuldade de se fazer uma festa que faça a universidade "falar" com a cidade.

Mais uma vez, o DCE teve pouco tempo entre sua eleição e a preparação do trote. Mais uma vez o DCE não teve a menor ideia de como realizar uma festa que prestigie os novos estudantes da Federal do Paraná e que ao mesmo tempo dispute espaço com a festa paralela promovida pelo jornal Gazeta do Povo. Mais uma vez o ponto de concentração dos estudantes não foi a praça Santos Andrade, local onde os estudantes tornaram ponto de encontro de todas as manifestações estudantis na capital paranaense.

E o resultado acabou sendo novamente o mesmo: a festa foi do jornal Gazeta do Povo. E os estudantes que passaram no vestibular não tomaram conhecimento de seu DCE e nem de seu futuro centro acadêmico. E aquele que se deslocou até o campus da Agrárias, viu a festa dos cursinhos.

E mais um ano que o movimento estudantil não se impõe no momento de maior festa dos estudantes curitibanos. Não critica o processo de seleção excludente que é o vestibular. Nem sequer aponta para cidade a necessidade de universidade popular, laica e crítica. Quiçá demonstra que existe uma organização estudantil.

Parabéns novos calouros. Fica a lástima pelos seus veteranos que novamente não souberam mostrar a sua cara mais política. Parabéns novos estudantes, pois sei bem como e sentir a alegria de passar na UFPR. Agora a vida acadêmica começa, e com ela milhões de novas experiências, alegrias e decepções.

Ósculos e amplexos.

PS: fiquei impressionado também com a campanha da Unibrasil. No meio do trote da UFPR, haviam meninas com roupinhas curtíssimas distribuindo um material da Unibrasil que prometia matrícula e mensalidade de graça para aqueles que passaram na primeira fase da UFPR. Aceito sugestões para definir essa campanha dessa universidade particular de Curitiba.

Mais algumas palavras sobre o Haiti.


Em minha última postagem neste blog, mostrava a minha indignação em relação ao oportunismo de algumas forças políticas brasileiras em relação ao Haiti. Tal postagem rendeu comentários favoráveis e desfavoráveis tanto no próprio blog quanto por correio eletrônico. Da reflexão sobre os bons argumentos que recebi de pessoas que respeito muito, e que nutro um grande carinho, tanto favorável quanto contrariamente a presença das tropas brasileiras no Haiti, resolvi escrever mais algumas palavras.

Primeiramente, é necessário refletir sobre o que é uma missão de paz da ONU. Seria, de fato, de imprudente inocência crer que se trata de uma missão de elevados valores espirituais e tudo o mais que a palavra paz encerra. É uma missão que impõe a paz das democracias burguesas, ou seja, que estrutura o país para que, no mínimo, aquele país não represente uma ameaça à ordem internacional e sua economia capitalista. Não se trata de uma paz ao povo haitiano, mas um apaziguamento das relações políticas internacionais que podem ser abaladas devido a calamidade que reside no Haiti. Nas condições que se encontra o Haiti, a economia não flui como deveria, as capacidades políticas dos países são testadas, e novos arranjos internacionais podem acontecer de acordo com o fracasso ou a vitória dos países envolvidos nos esforços de construção do país e estabilização das estruturas capitalistas.

Em meio a isso, o Brasil não tem outro elemento motivador senão a sua afirmação de independência internacional. Economicamente, no curto prazo e diretamente, as motivações financeiras não compensam o desgaste de se manter uma ocupação militar em solo estrangeiro. Não possuo dado mais atualizados e mais precisos, mas os dados que possuo demonstram que o Brasil exportou para o Haiti a média de 50 milhões de dólares por ano em mercadorias. Entretanto, o custo da manutenção das tropas brasileiras e de todo o aparato de ajuda humanitária incluindo o envio de alimentos e medicamentos superaram esses 50 milhões. Gerando uma receita negativa, o famoso prejuízo (fontes: MRE e jornal Valor Econômico). E, a longo prazo, o custo do lucro de uma exploração em terras haitianas dificilmente justificaria maiores investimentos no país, mesmo que grandes corporações, principalmente as empreiteiras, sejam as que lucrarão e bastante com os esforços de reconstrução do Haiti. Definitivamente, não está no argumento econômico a motivação brasileira.

Há sim uma motivação política. E que se dá em meio a uma queda de braço justamente contra os Estados Unidos. Na medida em que o Brasil precisa demonstrar sua capacidade de independência internacional comandando as ações da ONU no Haiti, os Estados Unidos vai demonstrando toda a sua preocupação para com esse desejo de independência brasileira. Lembremos que as operações de paz comandadas pelos Estados Unidos, por meio das anticomunistas e altamente repressoras missões da OEA, criaram os Papa e Baby Doc, Aristides, e outros facínoras no comando haitiano e os depuseram, ou seja, os EUA patrocinaram boa parte do caos que se tornou o Haiti. Todo sucesso brasileiro em terras haitianas demonstra o fracasso estadunidense, ampliando o quadro de liderança regional que o Brasil tanto pleiteia.

E agora, a pergunta: e o povo haitiano? Com todos os problemas históricos de ordem política e econômica, teve ainda terremotos que abalaram de vez com todo o país. Poderíamos dizer, sem maiores exageros, de uma nação inteira em condições lumpenproletárias. E em tais condições, sequer soberania, tampouco autodeterminação são possíveis no estágio atual. O marxismo nos ensina que o proletariado não deve ficar à margem da estrutura burguesa, não deve ser indiferente a ela, e incita-o a participar nela de modo energético a fim de construir os elementos necessários para que a democracia proletária apareça em um horizonte possível.

Enquanto as condições mínimas de democracia burguesa não existirem no Haiti, não haverá trabalhadores haitianos. Quiçá a menor capacidade de trazer para o povo haitiano qualquer compreensão revolucionária. Em meio a toda a calamidade, em meio a toda a miséria e fome generalizada que há no Haiti, e que foi ainda mais seriamente agravada com os terremotos, falar em liberdade e transformação da luta econômica para a luta política seria como falar com as paredes.

A ajuda humanitária internacional, aliada com a missão de paz da ONU, ainda que pese todos os interesses insensíveis tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos, ainda que pese todos os elementos catastróficos que o capitalismo provoca por onde passa, é atualmente a única possibilidade de sobrevivência do povo haitiano. A missão de paz da ONU é hoje a única fonte de organização das estruturas democráticas, obviamente que burguesas. Mas que à partir dessa estrutura é que terá novamente trabalhadores em condições de conscientização. Somente à partir desse mínimo é que as massas trabalhadoras poderão lutar pelo apoderamento das máquinas de seus exploradores.

Por fim, todo esforço a fim de aliviar as dores do povo haitiano nesse momento é válido. E, sem a menor capacidade soberana, o governo haitiano depende justamente da Minustah para as operações de distribuição de alimentos e água, esforços de reconstrução das estruturas essenciais do Estado, e o inevitável e preocupante controle de epidemias. Na queda de braço citada anteriormente, os Estados Unidos já enviaram tropas forçando a divisão de poderes da coordenação brasileira da Minustah. É muita coisa envolvida para uma reivindicação de imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. E sua retirada imediata é justamente o maior serviço que podemos prestar para a continuidade da situação caótica que vive o povo haitiano. É aumentar o poderio estadunidense e diminuir a possibilidade de maior independência internacional. É, no mínimo, ser insensível a dor de nossos irmãos da América Central.

Ósculos e Amplexos.


19 janeiro 2010


Não há como não ficar horrorizado com as cenas que vemos do Haiti. Antes do terremoto, imagens da miséria extrema e o povo sofrido do país mais pobre das Américas já chocavam. Após uma catástrofe que ceifou milhares de vidas, as cenas são ainda mais impactantes. Grandes obras e pequenos barracos viraram uma coisa só: escombro. E, sob uma cidade devastada, a contagem de mortos aumenta cada vez mais. Tão somente a solidariedade internacional poderá dar um mínimo de condições de sobrevivência ao povo haitiano.

Dentre as coisas que mais me causaram espanto, entretanto, não foram as imagens fortes que vejo em todos os veículos de imprensa. Mas, o discurso oportunista. Diante de toda a tragédia, há quem deseje que o povo haitiano se vire sozinho. Que vê a presença brasileira no comando das tropas da ONU no país como uma forma de imperialismo verde-amarelo, ou ainda pior, de estar de cão de guarda do imperialismo ianque. Ainda que se valha a crítica da mísera contribuição financeira que o Brasil e os Estados Unidos estão dando ao Haiti, comparado com os auxílios que os bancos receberam ao longo da crise financeira, a retirada das tropas da ONU, nesse momento, significará a morte para ainda mais e mais vítimas.

Quando antes do terremoto, era questionável a presença militar no Haiti quanto aos abusos cometidos pelas forças de paz. E não foram poucos. Entretanto, quando um país vive em meio a uma guerra civil, seu povo não se auto-determina. Quando um país tem absolutamente todo o seu aparato estatal destruído por sucessivos golpes e contra-golpes de todas as espécies, é impossível se falar em soberania e justiça. Uma operação de paz em um país desse é mais do que necessária, é a garantia de que o povo poderá reconstruir seu país algum dia.

Após o terremoto, tudo o que foi construído pelos esforços de paz voltaram para uma condição ainda pior que antes. Os chefes das facções golpistas e os inúmeros grupos criminosos organizados voltaram para as comunidades mais carentes, pois as celas e os presídios foram todos destruídos. E, dessa vez, esses criminosos e golpistas traficam algo que no Haiti é agora mais importante que drogas e contrabando: água e comida! A ajuda humanitária tem sérios problemas para distribuir o que arrecada, pois quem decide o como e o que deve ser distribuído é o governo do Haiti, que agora está novamente ilhado em meio a esses grupos. E, para completar a cena de total desamparo, as tropas presentes no Haiti são insuficientes dado os acontecimentos.

Estamos falando de vidas, de sobreviventes. Estamos falando de ajuda internacional salvando vidas. E há ainda quem no Brasil deseja ver "o circo pegar fogo". Há quem exija a retirada imediata das tropas da ONU do Haiti. Que ainda não entendeu que os abusos cometidos pelos capacetes azuis devem ser denunciados e os responsáveis punidos, mas jamais "jogar o bebê com a água do banho". Que o envio de mais soldados é tão importante quanto o envio de mais médicos, enfermeiras, e toda equipe que possa dar alívio a tantos sobreviventes.

E o mais importante: sob a direção do Brasil, país que vem ensinando ao mundo lições de solidariedade.


18 janeiro 2010

Meishikoukan


Da série "pronto! Aprendi mais uma".

Um colega de relações internacionais acabou de chegar em Tóquio para seu intercâmbio. Desde criança, ele queria muito ir ao Japão, e estudou o idioma japonês (hiragana e katagana) do jeito que deu. Esse amigo, apesar de apaixonado pelo Japão, não tem nenhuma ascendência nipônica. Não teve nenhuma "batian" para lhe ensinar os mistérios da cultura japonesa. Na verdade, sua ascendência é polonesa, bastante comum aqui em terras paranaenses. E sua paixão pelo Japão é devido muito mais aos empreendimentos de lá que realmente a cultura em si.

Em todo o mundo, a troca de cartões de apresentação sela um compromisso, ou mesmo demonstra o interesse de se manter contato profissional ou aumentar o network. Em todo o mundo, trata-se de um simples trocar de informações. Um entrega o cartão, o outro recebe, e pronto. Mas, o Japão tem uma cultura fantástica. E tem cerimonial para tudo. Descobriu, o pobre amigo, o "Meishikoukan", ou "cerimônia da troca de cartão".

Segundo a tradição japonesa, o cartão simboliza a personalidade da pessoa. Então, é algo que deve ser tratado com total respeito. Dessa forma, o cartão deve ser entregue com as duas mãos, cuidando para que somente os polegares estejam na parte de cima. e com uma leve reverência (o curvar de costas). A pessoa que irá receber o cartão, deve fazer a mesma reverência, e aceitar o cartão também com ambas as mãos. Esse cartão deverá ficar à frente da pessoa ao longo de toda a reunião, afinal, o símbolo de sua personalidade se manterá ao longo de toda a negociação.

Logo na primeira entrevista, o que iria determinar a posição hierárquica em que iria se posicionar ao longo de seu estágio, é pedido para o colega um cartão de apresentação. Ele não tinha. Constrangido, falou que havia esquecido, mas que enviaria por meio de alguém o quanto antes. Então, o chefe da empresa foi entregar o cartão, bem como manda o protocolo japonês. Antes mesmo de curvar-se, o pobre amigo simplesmente "raptou" o cartão da mão do Big Boss e colocou no bolso de trás da calça.

A sala toda já estava rindo, vindo abaixo, de tão constragidos que ficaram, com o fato do colega ter enfiado a personalidade do chefe, vamos dizer assim, nos fundilhos. Totalmente desesperado, o colega esqueceu o pouco que sabia de japonês, o pouco que sabia de inglês, e em bom português mesmo sacou: - Ué... que foi? Tem alguma coisa no meu dente? E então, tirou o cartão do bolso e rapidamente esfregou em suas gengivas.

Ósculos e amplexos.


15 janeiro 2010

Avatar: eu vejo você.


Não é um filme genial, mas é um senhor entretenimento. É por demais superficial em sua narrativa, mas consegue ser profundo no que diz respeito à dualidade que se propôs abordar. O tempo todo, o espectador tem a impressão do já vi isso em outro filme, em outras produções bem melhores e de maneira melhor abordada, mais completa. Mas, ao mesmo tempo, dificilmente se viu todas reunidas em um único filme e de maneira convincente. É um filme bom, e ao mesmo tempo um entretenimento excelente.

As dualidades da história estão presentes o tempo todo e de maneira bem hollywoodiana. Ou seja, linear ao extremo, mastigado para que o espectador não tenha muita dificuldade para pensar sobre o que esta vendo. Mas, ao mesmo tempo, joga de maneira sutil alguns questionamentos intrigantes. Entre eles, o maior: a impossibilidade de uma solução equilibrada entre a economia e a ecologia. E tudo isso em imagens tridimensionais e efeitos especiais de tirarem o fôlego (e fazer você sentir sapecado com as brasas, ou querer espantar os insetos).

O filme não é ousado no que diz respeito à algumas fórmulas do cinema. O romance piegas é marca registrada do diretor James Cameron (lembrem-se de Titanic). A ideia do personagem ser um nada no mundo humano e, em um passe de mágica, ser toda a diferença em um mundo paralelo já fez sucesso em filmes e histórias mais do que batidas (a grande essência de Harry Potter, que os produtores acabaram esquecendo ao longo da saga do bruxinho). Até mesmo o túnel de luz que é atravessado para se conectar com o avatar é idêntico ao de "Quero ser John Malkovich". Mas estão todos esses elementos reunidos em um só filme. Quando a conexão é feita, seja entre o homem e seu avatar, seja o Na'Vi com a própria natureza, a dilatação da pupila do grandalhão azul acaba convencendo e passando por sobre todos esses sentimentos de falta de originalidade em meio a um visual tridimensional fenomenal.

Os próprios atores acabam intrigando. A personagem totalmente digital tem uma atuação consideravelmente melhor que a de muito ator que está no filme sem maiores efeitos especiais. Ao mesmo tempo, o vilão, constante o tempo todo, consegue fazer com que a plateia sinta ódio do sujeito. Enfim, o filme é longo, mas flui com uma tranquilidade imensa que saímos do cinema com vontade de querer saber mais sobre Pandora, o planeta em que a historia é narrada.

É um filme que somente em cinema 3D pode ser apreciado. E há a necessidade de assistir mais de uma vez para poder captar ao máximo todos os seus detalhes digitais e tridimensionais. Aliás, outra marca registrada de Cameron: a toalha da mesa é mais importante que o café da manhã. Mas, que toalha de mesa!

Ósculos e amplexos!

14 janeiro 2010

Communication Breakdown*

Quando eu estava na Venezuela, tive algumas experiências culturais magníficas. Uma delas foi ter conhecido uma excelente pessoa que praticamente se tornou meu anjo protetor. De um altruísmo fantástico, e um excelente domínio do português, ela me levou para conhecer o centro de Caracas e mostrar seus encantos.

Sempre desejei homenageá-la, mas nunca conseguia escrever nada que fosse à altura de todo o carinho e gentileza a mim por ela dispensado. Ela me levou para conhecer a família dela e de seu namorado. Fez questão de me mostrar onde foram os locais de confronto da "Revolución bonita". Levou-me em um dos bairros mais caraquenhos, e lá começou a me apresentar as diversas "abuelitas" que fugiram da Colômbia por medo não das FARC, mas das turbas paramilitares. Mostrou-me centros gastronômicos, centros culturais, teatros, enfim, uma excelente companhia o tempo todo. Sempre que eu resolvia escrever alguma coisa para homenageá-la, não gostava do que escrevia e logo abandonava a ideia. Somente agora é que fui lembrar de algumas histórias, que ainda não são a homenagem mais digna que eu poderia fazer. Mas, resolvi publicar após tanto tempo.

Quando eu estava com ela, tudo parecia fluir tranquilamente. Na época, meu portunhol estava bem esfarrapado, mas arriscava-me a falar com ela sempre em espanhol e ela prontamente me corrigia quando eu acabava falando alguma bobagem. Quando eu cansava do portunhol, eu ia de português mesmo. E ela simplesmente tirava de letra. Meus problemas nasciam quando ela não estava por perto.

Uma dessas situações aconteceu no terceiro dia de viagem. Uma moça belíssima aproximou-se e começou a falar comigo. O problema é que ela não apenas falava bastante, mas parecia que havia acabado de sair do aquecimento rumo ao concurso mundial de falar rapidamente. Não entendendo lhufas do que ela queria me dizer, ousei trocar pelo menos o idioma. Então perguntei se ela falava português. Ela respondeu: - "No mucho". Então perguntei: - "And English, can you speak?". Ela: - "Yes, I can". Feliz da vida, quis saber o grau de conhecimento dela na língua de Shakespeare e perguntei: - "How much?". E ela: "For you, forty dollars".

(*) "Communication Breakdown" é uma música do Led Zeppelin, narrando a dificuldade de seguir em frente em um relacionamento que é sempre a mesma coisa, sem comunicação.

13 janeiro 2010

Um gesto de carinho faz toda a diferença.


Talvez por eu não ter o talento para escrever auto-ajuda, tenho uma aversão enorme para com este "estilo" literário. É sempre um formato de aproximadamente duzentas páginas, uma capa bastante atraente, acabamento perfeito, e uma chamada que promete resolver seus problemas. Minha aversão já começa com o fato de que, quem realmente está precisando de ajuda é, invariavelmente, a pior pessoa do mundo para ajuda-la nesse momento. Depois, ser autossuficiente não é coisa fácil, tampouco que dependa unicamente de uma forma diferente de pensar ou ver a vida. Autossuficiência depende de disciplina, toda uma educação, além de uma boa dose de paciência.

Não se julga um livro pela capa, correto? Mas, no caso de auto-ajuda mede-se sim, e bastante. O segredo para se mexer no queijo é ter paciência de monge e ambição de executivo. É ter o carinho essencial para se fazer amigos e influenciar pessoas. Os homens são de Marte e as mulheres de Vênus, mas apesar de um ser cobra e a outra polvo, inteligentemente juntos enriquecem mais. De cem, mil, cem mil maneiras diferentes de se fazer algo impossível. Enfim, capa vende, e é o principal termômetro para esse tipo de literatura. Os livros de filosofia, que geralmente ficam na prateleira ao lado ao da auto-ajuda, tem capas feias, acabamento grosseiro, e raramente tem imagens ou belas fontes sobre um fundo mais gostoso para ler. O resultado: para cada uma prateleira de filosofia, há dez de auto-ajuda. Isso quando um de auto-ajuda não se intromete na prateleira de filosofia (algumas livrarias, muito espertas, percebem que seus consumidores de auto-ajuda procuram novas "filosofias" de vida, então procuram onde não deveriam encontrar auto-ajuda; então as livrarias colocam alguns deles na prateleira de filosofia para que o cliente saia mais satisfeito por ter encontrado o livro que promete mudar a sua vida).

Um policial ganhou de presente da namorada um desses livros. Ele relutou um pouco, mas acabou cedendo aos olhos de sua amada, que brilhavam por acreditar que estava dando o presente dos presentes. No caminho de volta para casa, começou a ler no ônibus o tal presente. E não conseguia parar mais de ler. Foi tragado pela história em que o narrador demonstrava que uma simples atitude violenta pode moldar todo o caráter de uma pessoa. E, como antídoto ao mal, conta o narrador, deveria substituir toda forma de violência, repressão, ou agressividade por gestos e manifestações de carinho.

No dia seguinte, já fardado e patrulhando pela cidade, encontra um conhecido delinquente novamente rondando a vizinhança. Diversas vezes esse rapaz promoveu assaltos na região, e quase toda a companhia de polícia já o prendeu. Entretanto, nunca havia provas que o fizessem ficar na prisão, pois o resultado dos assaltos viravam drogas e essas eram imediatamente consumidas. O policial que estava com todo o livro de auto-ajuda fresquinho na memória, resolveu abordar o delinquente. Ao ver que toda a sua nova postura de abordagem deveria ser mudada por influência do livro, resolveu experimentar a "nova filosofia de vida".

Ao ver a viatura policial, o rapaz se jogou ao chão na esperança de que o policial não o tenha visto. Ao ver que a viatura parou e a sua porta se abrira, tratou de se livrar de todo e qualquer conteúdo que pudesse lhe complicar. O policial então exclamou: - Por favor, necessito revistar suas roupas, então coloque-se em posição para que o trabalho possa ser feito sem prejuízos ao seu caráter.

O rapaz olhou de um lado para outro rapidamente procurando alguma câmera para ver se não estava em uma daquelas "pegadinhas". Como não encontrou, desconsiderou o pedido do policial e simulou que estava dormindo. Novamente, o policial o adverte: - Caro cidadão, peço mais uma vez que levante-se e se coloque em posição para que meu serviço seja feito sem maiores prejuízos ao seu caráter.

Ao ver que não estava surtindo efeito nenhum a sua nova filosofia de vida, o policial então resolveu improvisar. Unir conhecimentos. Enfiou uma senhora botinada no "cóccix" do rapaz. Rapidamente o rapaz se levantou, colocou-se defronte à parede, pernas abertas e mãos atrás da nuca. E então, o policial concluiu: - realmente, um gesto de carinho faz toda a diferença!

12 janeiro 2010

Estação do mau humor curitibano.


Longe Lateqve, o curitibano é conhecido como "fechado". Para todos e todas que visitam a capital paranaense, faço o esforço de demonstrar que não somos tão assim. Na verdade, somos tão receptivos quanto manda a boa educação de qualquer brasileiro. Entretanto, não somos tão efusivos quanto em outras regiões do Brasil. Aliás, a efusão brasileira é também conhecida no mundo inteira como bastante exagerada (venha para o Brasil e você será beijado, abraçado, estapeado, tudo por puro carinho efusivo). Em Curitiba não há esse exagero. Não se trata de um "povo fechado", mas de um "povo na dele".

Dificilmente você ganhará os famosos três beijinhos "pra casar" de um curitibano. Um beijo apenas no rosto, e olha lá. Dificilmente você verá um curitibano puxando papo, e quando ver, provavelmente será sobre o tempo (todo curitibano tem uma verdadeira fixação por meteorologia, mesmo que não tenha a menor ideia do que seja um nimbus ou mesmo como se escreve a palavra meteorologia). Carona é coisa impossível. É mais fácil um curitibano lhe pagar a passagem de ônibus, mas depois de você ter colocado-o contra a parede e durante bastante tempo. Informações sobre como chegar em algum lugar o curitibano não dá. Mas não por falta de educação, mas é por não saber mesmo onde fica (os pontos de referência do curitibano são completamente diferentes. Perguntar por nome de rua ou por nome de estabelecimento é receita certa para que o curitibano não saiba como responder). E viver em harmonia com os vizinhos significa morar anos em um lugar e não saber sequer o nome do vizinho.

A própria cidade reserva algumas armadilhas até para os próprios habitantes. O Hospital do Cajuru não está localizado no bairro Cajuru (localiza-se no Cristo Rei). Você aluga um apartamento no bairro Champagnat e vai morar no Bigorrilho (o Champagnat é, na verdade, uma rua no bairro Bigorrilho. Mas as imobiliárias rebatizaram-no para que se tornasse mais atraente). O parque Tingui não está no bairro Tingui (o parque localiza-se no São João), e apesar do nome do parque homenagear os índios de "nariz afinado" que habitavam a cidade antes da chegada dos europeus, o parque é conhecido pela população como "bosque ucraniano". E a parte mais charmosa da rua XV de Novembro, a Rua das Flores, não é nem rua e muito menos parte da XV de Novembro (o calçadão da Rua das Flores localiza-se na avenida Sen. Luiz Xavier).

Entender o povo curitibano não é difícil. Conviver com ele também não é. Exceto em janeiro, a estação do mau humor. É um período realmente complicado de se viver na capital do Paraná. A população parece que viaja simultaneamente para outros destinos do país. E, quem fica, queria poder viajar também. O resultado é uma dor de cotovelo que contagia com elevadas doses de mau humor a cidade inteira. Para somar, o clima fica chuvoso e ao mesmo tempo abafado na cidade. As ruas ficam desertas. O comércio abre tarde e fecha cedo. E nenhum serviço funciona direito. O curitibano passa a odiar o seu emprego, passa a odiar a si próprio. E tão somente quando janeiro acaba é que esse mau humor vai embora.

Decidi quebrar o paradigma. Mau humor é coisa de quem não tem amigos. Sozinho na cidade, comecei a ligar para todos os amigos para ver se alguém me salvava. Um por um, quem atendia ou era a caixa postal do celular ou a secretária eletrônica dos fixos. Passei na casa de alguns para ver se levava a sorte de achar alguém, mas deu em nada. O dia inteiro procurando alguém para contar as novidades e dissolver o tédio. E nada. Lá pelas tantas, já à noite, voltando pra casa, decidi alugar alguns filmes. Locadora fechada. Resolvi dormir, mas o clima estava abafado e não conseguia sequer ficar na cama. Fui para o chuveiro e houve queda de energia em todo o bairro. Procurei uma vela, mas não achei os fósforos. Tentei escutar algumas músicas, mas o MP3 estava sem bateria.

Até que finalmente tocou meu telefone: um dos amigos viu que havia uma chamada não atendida e resolver ver o que eu queria. Ao atender, eu estava no auge da minha ira com o mundo e mandei-o as fávas. Antes de desligar, o amigo reclama: isso que dá ter amigo curitibano. Eita povo mau humorado!

09 janeiro 2010

Depois da reforma da saúde, Casa Branca anuncia a reforma imigratória.


Em direitos humanos, não há ser humano ilegal. Nem poderia. Todos os recantos da Terra a lei foi feita para a harmonia entre os seres humanos. Negar direitos como à saúde e à educação por ser este ser oriundo de outra parte do globo é simplesmente um crime contra toda a humanidade. Mas, como tratar todos os seres humanos como sujeitos universais de direito em um país onde quase 12 milhões de homens e mulheres vivem ilegalmente? Esse é o novo desafio anunciado por Barack Obama para o ano de 2010.
A tão criticada pelos mais conservadores Reforma da Saúde nos Estados Unidos possui um problema que depende de uma Reforma Imigratória: o atendimento público para aqueles que não são reconhecidos como cidadãos. Na "Health Reform", está previsto o atendimento indiscriminado em casos de riscos à vida. Entretanto, toda necessidade de atendimento médico não é justamente um atendimento contra tais riscos? A resposta foi: tem que estar morrendo para que o doente seja atendido como qualquer outro cidadão americano sem correr o risco de ser deportado.
Os conservadores usam a velha ladainha dos "riscos dos imigrantes roubarem os empregos dos americanos". Ladainha falaciosa e preconceituosa. Os quase 12 milhões de imigrantes ilegais já estão lá, trabalhando e muito. Enchendo as burras dos americanos de dinheiro. Quem contrata trabalhadores ditos "ilegais" são os que mais reclamam contra a reforma imigratória. E, nada mais natural, uma vez contratando "não-cidadãos", obrigações mínimas como cuidar da saúde de seus funcionários em caso de acidente de trabalho são desconsideradas, pois o trabalhador é bicho, não é cidadão.
Obama tem uma dívida com os trabalhadores imigrantes, afinal, os que conseguiram a cidadania estadunidense votaram em massa no primeiro presidente negro dos EUA. Os Estados Unidos tem uma dívida imensa para com os imigrantes, afinal, foi um país contruído por eles. E a última vez que um presidente fez algo favorável para eles foi a "anistia" de Reagan, que beneficiou uma ínfima parcela de imigrantes até então ilegais (apenas 3 mil anistiados).
Se a reforma da saúde já foi um dos mais memoráveis acertos do governo Obama (e digna de estudos sobre acordos políticos), a Reforma Imigratória vai dar o que falar. Pena que aqui, em terras tupiniquins, as Reformas foram boicotadas, de um lado, por uma imprensa golpista, e de outro, por um governo que preferiu uma governabilidade mais tranquila a enfrentar a necessidade de reformas. Por enquanto, Obama "é o cara".
Ósculos e amplexos.

... E a solução foi elitizar...


Mais uma vez a solução dada foi castigar os mais humildes e privilegiar os mais abastados. A vergonhosa atuação de alguns supostos torcedores do Coritiba após o jogo contra o Fluminense, na última rodada do brasileirão acabou desconsiderando os milhares de torcedores que se comportaram e que não tiveram nada a ver com as trapalhadas da diretoria do alviverde paranaense.


Relembremos. O clube, que precisava de três pontos em quatro jogos para não ser rebaixado, fez uma campanha simplesmente medíocre: apenas dois pontos, e goleados duas vezes! Isso mexe com o mais pacato dos cidadãos. E, aquele que não tem lá muita estrutura psicológica, acabou invadindo o campo, atacando árbitros e logo após abringo guerra contra uam reduzida tropa de soldados da PM (que abriu fogo contra a torcida com balas de borracha de dentro do campo para o "paredão" do estádio). E a violência policial continuou após a saída do estádio, quando chegou um número compatível de policiais, não importando se as pessoas estavam com seus filhos pequenos, esposas ou mesmo de cadeira de rodas. Se estivesse vestido de verde, seria alvo de cacetetes, coices de cavalo, e muita pancadaria.


Se há um culpado, esse é o Coritiba F. C., ou melhor dizendo, sua diretoria. Foi ela que não reforçou o time de maneira eficaz e eficiente para o segundo turno do campeonato. Foi ela que promoveu a paixão dos torcedores baixando o ingresso para cinco reais na última partida. Foi ela que convocou um número de policiais e seguranças ínfimos para quarenta mil torcedores. Enfim, segundo o próprio estatuto do torcedor, o responsável por tudo que acontece no estádio é a diretoria do clube.


E o que aconteceu? Absolutamente nada com a diretoria. Ela foi, inclusive re-eleita. A torcida foi escolhida enquanto bode expiatório. E a organizada Império Alviverde foi escolhida como inimiga pública número 1 da sociedade coxa-branca e militar. As primeiras medidas contra a torcida foi: proibir organizadas e subir para R$ 50,00 o setor mais popular do estádio. A solução foi elitizar. Não queremos pobres no esporte do povo. Esse foi o recado nas entrelinhas de Jair Cirino, presidente re-eleito com esse discurso.


Todos nós sabemos que há nas organizadas pequenas milícias. Que ainda é status dentro delas o confronto com outras torcidas. Que há bandidos que se infliltram nas torcidas para fazerem de tudo o que for possível amparado na impunidade. Mas, sabemos também que a festa que fazem no estádio só é possível com elas. Lembro-me quando da proibição das organizadas em São Paulo. O resultado foi pior: o quebra-quebra fora dos estádios fez com que a violência (que sempre é medida em homicídios) disparasse em dia de jogos na capital paulista.


O clube foi punido com a perda de mando em casa por 30 jogos. Uma multa proporcional ao tamanho do clube. Essa foi a punição da justiça. Mas, que foi transferida justamente para aquele que sempre é convocado para salvar o clube em épocas de dificuldades: a torcida. O Coritiba poderia aprender com o Corinthians. Quando o Timão foi rebaixado, vimos uma das maiores campanhas publicitárias que já foi visto por um time de futebol. E o grande alvo? A torcida. Não era uma campanha de ânimo aos jogadores, mas uma chamada para que a torcida não a abandone. E, o resultado, um aumento de quase 30% de sua torcida. E a Fiel? Estava em todas.

Mesmo quando arranjava briga, o Corinthians fazia o certo: punia os delinquentes e não sua tão requisitada torcida. Coisa de encher os olhos! Completamente oposto ao que a diretoria do Coxa fez e está fazendo.


Torcedor Coxa-Branca, diga não a elitização do esporte do povo!


Ósculos e amplexos.

05 janeiro 2010

Cinema 2010: o que virá?

Foto: (Divulgação)

O que haverá de bom para o ano de 2010 no cinema? Enquanto não são divulgadas as listas do que virão de outros continentes para o Brasil, Hollywood já enviou para nossa terrinha alguns de seus "blockbusters". Algumas produções nacionais também já foram anunciadas.

Estão prometidos para esse ano: Shrek 4 (que eu espero não ser a decepção que foi o 3), Toy Story 3 (Os dois primeiros revolucionaram a animação); Homem de Ferro 2; e, para mim o mais esperado - Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton (adivinhem quem será o Chapeleiro Maluco? Óbvio que é J. Deep, ou você se lembra de algum outro filme do Burton sem ele?). Virá filmes de Scorsese, Rydley Scott.

Na lista dos possíveis odiosos do ano: Bruna Surfistinha, Tropa de Elite 2, Os Mercenários (de Silvester Stallone) e "O Mistério de Feiurinha" (que pode até ser bom, devido o livro ser ótimo... mas, com Xuxa e Sasha como protagonistas, duvido muito).

Para esse mês:

1 de janeiro - "Lula, o filho do Brasil", de Fábio Barreto.

Filme que causou muita polêmica ainda quando de seu anúncio (com direito a vereador de Curitiba querer proibí-lo até que se findem as eleições desse ano), segue o mesmo padrão do sucesso de Fábio Barreto "Dois Filhos de Francisco". Já está em cartaz, e eu estou com bastante vontade de assistí-lo.

8 de janeiro - "Sherlock Holmes", de Guy Ritchie

Desde de que Spielberg fez "O Enigma da Pirâmide", nunca mais houve uma adaptação das obras de Doyle que agradasse o público. Guy Ritchie promete vencer esse desafio. Baseou-se em uma HQ para fazer com que o detetive mais famoso do mundo tivesse mais ação, com direito a boxe e esgrima. Promete pelo menos não ser entediante. Além disso, os excelentes atores Robert Downey Jr e Jude Law estão no elenco fazendo os papéis principais.

15 de janeiro - "'Onde vivem os monstros", de Spike Jonze

Estou curiosíssimo sobre este filme. Afinal, ele se baseia no homônimo livro de Maurice Sendak absurdamente visual, e quase sem texto (apenas 9 frases). Do mesmo diretor do doentio e excelente "Quero ser John Malkovich", o filme segue o gênero de filmes sobre o fantástico mundo da imaginação e contos de fada. Entretanto, alerta Spike Jonze, apesar da temática infantil, não é um filme para crianças.

22 de janeiro - "Amor sem escalas", de Jason Reitman e "Nine", de Rob Marshall

Estranhamente, uma comédia-romântica e um musical estão na lista dos mais esperados para 2010. É estranho, pois uma comédia romântica costuma ser algo que você assiste sem nenhum compromisso. Ou seja, apenas assiste, torce, chora, e sai para dar uma volta com a namorada. E, depois que a era dos musicais passou, quase ninguém tem paciência para mais um. Amor sem Escalas é a comédia-romântica, e Nine é o musical. Ambos concorrem ao Globo de Ouro e ao Oscar. Ambos foram sucesso de bilheteria por onde passaram. O primeiro conta a história de uma pessoa cujo trabalho é despedir outras pessoas. E o segundo é um muscial quase-biográfico de Fellini (baseado em seu filme auto-biográfico 8 1/2).

29 de janeiro - "Invictus", de Clint Eastwood

Estamos em ano de Copa do Mundo na África do Sul. Lá, aconteceu uma história consideravelmente mais importante: a luta pelo fim do Apartheid. Invictus conta a história de Nelson Mandela, interpretado por Morgam Freeman. Se vai ser bom? Creio que sim. Clint Eastwood está cada vez mais se superando como diretor. Além disso, sua história política é bastante progressista. Morgan Freeman então, nem se fala.

5 de fevereiro - "Um olhar do paraíso", de Peter Jackson

A única coisa que sei sobre esse filme é que o diretor é o mesmo da trilogia "O Senhor dos Anéis". A história parece ser boa, sombria e, é claro, cheia dos efeitos especiais e lugares admiráveis.

Por enquanto é isso.

Ósculos e amplexos!

02 janeiro 2010

Livros sobre o Movimento Estudantil



Há tempos eu alimento a vontade de registrar a história do movimento estudantil. Porém, as correrias da vida tem feito eu adiar esse projeto. Mas, há valiosos incentivos de pessoas que conheci e que nutro uma enorme simpatia e que realizaram essa difícil e valiosa contribuição para a história do movimento estudantil, e também para a própria história do Brasil. No fim do ano passado, dois livros brindaram esse resgate histórico.

Um deles, da minha camarada-irmã Raisa Marques em parceria com André Cintra. Raisa, que já é autora de outro livro sobre o movimento estudantil em sua cidade de origem, Campo Mourão ("UMES: uma rebeldia consequente", em parceria com seus irmãos Darwin e Raoni), foi um marco no movimento estudantil, pois foi o primeiro a relatar a história de uma entidade municipal estudantil, a UMES de Campo Mourão, do qual os três irmãos passaram pela sua presidência.

O livro "Ubes: uma rebeldia consequente" não possui o mesmo subtítulo de primeiro livro de Raisa à toa. Demonstra o histórico de uma entidade que foi decisiva em diversos momentos da história do Brasil, mas que sempre foi taxada pela pecha de entidade dos "rebeldes sem causa". Ela demonstra que, apesar da marcante irreverência e da pouca idade de seus dirigentes, foi uma rebeldia recheada de causas por vezes vitais para a construção de nossa democracia. Além disso, resgata criticamente a necessidade da entidade receber a mesma atenção que a sua entidade co-irmã e bem mais referida historicamente UNE. O livro foi lançado no Congresso da Ubes, realizado em Belo Horizonte em dezembro de 2009.

O segundo livro é do desembargador Lédio Rosa de Andrade, que tive a oportunidade de conhecer em um animado papo em uma pizzaria elegantíssima em Florianópolis. Em meio a discussões que foram de futebol, passando por Foucault, e terminando sobre enofilia; Lédio pode me contar de antemão as dificuldades de seu projeto e sua paixão pela história do movimento estudantil catarinense. O livro "Abaixo as ditaduras: história do movimento estudantil catarinense 1974 - 1981", é tão excitante que ganhou um documentário dirigido pela minha queridíssima camarada Ana Maria Lima. Ana é da memorável turma de 2005 do curso nacional de formação da União da Juventude Socialista e que tive a honra de participar também. Nesse curso, estavam presentes alguns dos jovens mais promissores da política brasileira. Entre eles, Gustavo Petta (ex-Presidente da UNE e atual Secretário de Esportes de Campinas); Wadson Ribeiro (ex-Presidente da UNE e atual Secretário-Geral do Ministério dos Esportes); Manuela D'Ávila (ex-Vereadora de Porto Alegre e atual Deputada Federal-RS); Ana Carolina Barbosa (Ex-Presidente da UJS de Goiás e hoje advogada); Luana Bonone (Ex-Presidente da UEE de Minas Gerais e hoje jornalista); Darwin de Assis (Ex-Presidente da UJS do Paraná, Ex-Presidente da UMES de Campo Mourão e co-autor do livro "UMES: uma rebeldia consequente"); só para citar alguns.

"Abaixo as Ditaduras" e "Ubes: uma rebeldia consequente" somam com "O Poder Jovem" (Poerner) no rol das obras que certamente serão obrigatórias para quem deseja conhecer mais sobre a história do Brasil. Parabéns, camaradas e queridos amigos.

Ósculos e amplexos.


Canção de ninar ("Cradle Song", de Thomas Dekker)


Que o bons sonos beijem seus olhos,

Que sorrisos te esperem quando levantares;

Durma, bela criança alegre, não chores,

Que irei cantar-te uma canção de ninar,

Embala-los, embala-los, canção de ninar.


Cuidado é pesado, por isso durma,

Serás cuidada, e o cuidado seguirá contigo;

Durma, bela criança alegre, não chores,

Que irei cantar-te uma canção de ninar,

Embala-los, embala-los, canção de ninar.


Thomas Dekker (* 1570 + 1630)
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Essa poesia foi inspiradora da música "Golden Slumbers" (Clique aqui para ouvi-la), dos Beatles (música e letra de Paul), do último álbum antes da banda se dissolver (Abbey Road).
Feliz ano novo! Que os bons sonhos beijem os olhos de todos os que ousam realizar seus sonhos.
Que os sonhos de 2010 sejam embalados com canções de ninar.
Ósculos e amplexos a todos e todas!