14 março 2011

Recomeçar, desta vez do jeito certo - Michael Genofre*


Uma vez que a Tribuna de Debates da Conferência Extraordinária do PCdoB do Paraná é pública, reproduzo aqui o meu primeiro texto aprovado. Ela é a primeira de uma serie que pretendo contribuir para esta organização. Aguardo comentários de meus camaradas , amigos e amigas.

A fim de se obter êxito aos pontos 4 e 5 do documento-base, retornando para uma espécie de “bê-á-bá” do marxismo-leninismo, é possível identificar alguns dos terríveis equívocos do partido neste Estado – que o desconfigura de sua principal diferenciação para os demais partidos: o de ser um partido de orientação e organização marxista-lenista com um projeto nacional claro e de objetivo socialista. O primeiro passo para um recomeço, desta vez do jeito certo, é recuperar tais elementos.

Primeiramente, sem a menor disposição de ser outra coisa, trata-se da construção de um partido de vanguarda. Não negar jamais a teoria marxista enquanto base de fundação de todas as organizações internas e o próprio partido. Considerar que, independentemente das urgências da atuação partidária, “Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário” capaz de superar a sociedade capitalista.

O PCdoB paranaense, em nome de uma urgência ou mesmo da impaciência intelectual – aqui, ignorando-se propositalmente eventuais outros motivos tão ou ainda menos aceitáveis -, passou a negar sistematicamente a análise marxista da realidade. Partiu para um avesso caminho que tantos outros partidos caminharam e erraram ao longo da história. Passou a ignorar seu papel de orientador de novas formações econômico-social, socialista, formador de indivíduos conscientes e convictos, organizador de bases estruturadas e motivadas.

Um primeiro passo firme é trazer para a realidade estadual, inclusive em cada segmento do próprio partido, a importância do papel da consciência, suas limitações e seus avanços. Sem ela, a existência de um partido do proletariado no Paraná será negligenciada sistematicamente em nome das mais diversas, e torpes, argumentações. Convencidos disto, torna-se, então, possível enfrentar a dificuldade de se ter uma teoria revolucionária em crise no Estado resultante de seu insuficiente desenvolvimento ao longo de sua história local. Enfrentar conscientemente que não se tem, ainda, elaboração constante e minimamente suficiente para uma crítica da sociedade capitalista em suas manifestações e contradições em terras paranaenses. Saber fazer as perguntas certas e buscar respostas com adequado método, eis o caminho para superar a crise programática e orgânica que o PCdoB possui no Paraná.

Simultaneamente, voltar a construir o que Lênin chama de “um partido de novo tipo”, elaborador e implementador da teoria revolucionária na realidade paranaense. O PCdoB paranaense perdeu seu desejo de buscar essa construção e partiu para a estruturação de mais um partido de esquerda – inclusive, numa questionável concepção do que seja essa esquerda. Perdeu a sua capacidade de análise que deveria buscar observar todos os aspectos da vida social, todos aspectos da vida política, e voltar-se para falar com todo o povo, todas as classes da população, e apresentar à sociedade a importância histórica de se emancipar o trabalhador. Tornou-se corporativa para alguns, funcionalista para tantos. Tornou-se ferramenta para projetos alheios à busca por autonomia da classe operária, além de ter perdido completamente a capacidade de ser intérprete, quiçá protagonista, da classe operária perante o conjunto social.

Sem uma direção comprometida com a construção deste partido de novo tipo, alguns de seus mais importantes militantes se perderam também na via do sectarismo, fatalista e irracional. Buscou-se valorizar o militante “de ferro”, inexistente, baseado em concepções morais, beirando ser quase como uma religião, para se definir um militante e para reconhecer seus dirigentes. Criou-se uma cultura de intolerância ao erro individual, de obediência acrítica como critério de avaliação do comprometimento do militante, e um sistemático desarme ideológico ao se eliminar o debate e a avaliação das ações partidária devido ao medo de críticas ou revelações de eventuais tropeços na condução partidária.

Outros, ainda mais irracionalmente, mantém-se na velha discussão – e que já deveria ter sido superada há tempos – de concepção de ser ou não um partido fechado, composto tão somente de quadros, de atuação análoga aos tempos de clandestinidade, “de poucos, mas bons”, de “puros”. Voltando as costas para uma realidade que exige um partido grande, capaz de se infiltrar em todos os elementos da vida social a fim de cumprir seu imprescindível papel de vanguarda operária.

Isso quando não se curvava para outros motivos, ao gosto do oportunista.

Não há como ser um partido comunista sem ser de uma classe determinada: o proletariado. Não dá para ser um partido de novo tipo sem buscar a ser a representação política e social dessa classe e encarnando seus valores e aspirações. Urge entender o proletariado paranaense. Urge produzir política a partir da análise de suas necessidades e realidades. Entender que ele não desenvolverá consciência de classe sozinho – aliás, tende a ficar preso na alienação que provoca o trabalho. Estudar esse proletariado, abordando a realidade da sua vida e da sua história de luta, buscando infundir nele identidade e consciência de classe – enfim, exercer o papel de Partido Comunista.

Todos estes elementos devem estar contidos em um sistema organizativo e normativo. Para este sistema: o centralismo democrático enquanto princípio fundamental organizativo. Que, até sobre este aspecto, o PCdoB-PR errou por estranhas práticas.

Mais que um método, é o centralismo democrático um ajustamento da política aos conteúdos ideológicos. É a prática da capacidade de analisar as exigências de cada situação, o nível de consciência, as possibilidades reais, e a construção de iniciativas e tomada de ação com passos firmes, criadoras de consensos ou maiorias, à base de políticas justas e cotidianamente debatida pelo coletivo partidário.

O PCdoB do Paraná abriu mão do correto centralismo democrático. Quando não desmotivava o debate - e assim favorecendo a apatia ou a obediência acrítica -, temia-se ele enquanto causador de cisões. Perdeu-se, devido a este equívoco, a construção de objetivos unitários – que, quando isto acontece, no mínimo, quadros deixam de somar em torno de uma mesma linha política para se tornar rivais em nome de seus projetos particulares.

Não se deve temer o crescimento partidário se nele há o centralismo democrático, pois ele dá conta de conciliar o debate necessário com a ação política unitária. Não se deve temer o debate, pois somente há a possibilidade da minoria acatar a decisão da maioria nele. Uma maioria deve ser construída em todos os temas, a fim de que uma ação unitária seja construída. Caso contrário, tem-se apenas o centralismo – nada democrático, de culto à personalidade, parasitário, e que fatalmente leva a organização de grupos ou de deformações na atuação política (quando não acaba afastando militantes e quadros em potencial). Não se deve tratar qualquer movimentação em torno de polarizações de opinião como uma ameaça à estrutura partidária ou prática de grupo. Pois, se há centralismo democrático, há os movimentos dialéticos capazes de polarizar e até mesmo organizar fluxos de opinião – extremamente saudável em um partido comunista. Enfim, ser instrumento de construção da unidade de ação de todo o partido, jamais um instrumento da imposição unilateral de vontades de uma direção sobre todo o coletivo partidário como tem sido.

* Michael Genofre é filiado ao PCdoB de Curitiba. Analista internacional especializado em internacionalização de cidades; ex-secretário estadual de organização da UJS-PR, integrante da executiva da UPE (2001-2005).

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