14 agosto 2009

Mulheres perfeitas?


Fuçando pela internet, encontrei uma obra prima da literatura de auto-ajuda da década de 1950 chamado "How to be a good wife" (como ser uma boa esposa). Não se trata de um livro, mas de um curto texto, publicado em 1954, pela Economic Domestic High School, cujo elenca 10 dicas sobre o que fazer quando o marido chega em casa. Dentre as dicas, apenas para ilustrar, encontramos: "planeje na noite anterior qual será o delicioso jantar, e se prepare ao longo do dia para que esteja pronto minutos antes do marido chegar"; "Arrume-se, reserve 15 minutos para descançar e ficar linda para seu marido antes dele chegar"; "deixe a casa limpa, mas guarde todos os materiais de limpeza, bagunça dos filhos, e elimine vácuos na sala"; "Deixe-o confortável: não o incomode, e arrume para ele um sofá confortável ou sugira que vá se deitar na cama"; etc. Obviamente que esse modelo de "como ser uma boa esposa" da década de 50 definitivamente é absurdo em plenos 2009. Mas me surpreendo com a quantidade de mulheres (isso mesmo, mulheres) que acham que a total submissão é a melhor forma de "segurar" o marido em casa.

Quando Ira Levin, autora de "O Bebê de Rosemary", publicou "As Esposas de Stepford", o barulho foi geral nos Estados Unidos. Não era preciso ser uma militante do movimento feminista para ficar indignada com o conteúdo desse livro. O livro é um conto de terror, onde uma mulher de sucesso, para salvar seu casamento, decide morar em uma pacata vizinhança. Nessa vizinhança, as mulheres são completamente submissas aos seus maridos. Literalmente lambiam o chão que os maridos pisassem se isso fosse preciso. E, obviamente, o marido da personagem principal estava adorando isso. Até que ela descobre que as mulheres tem alguma coisa de muito errado. E, (atenção: "spoiler" à frente) finalmente ela descobre que as mulheres foram substituídas por robôs, e ela seria a próxima a ser substituída. O final definitivamente não é feliz, mas chega de "spoilers". Indignação semelhante aqui no Brasil aconteceu ao ser lançado "Mulheres de Atenas", de Chico Buarque, e "Ai, Que Saudades da Amélia" de Mários Lago. No Brasil, mulher de Atenas e Amélia, nos Estados Unidos, Stepford, viraram sinônimos de mulher submissa, e hoje em dia um verdadeiro insulto às mulheres.

As esposas de Stepford foi adaptado para o cinema em duas versões, em 1975 e em 2004, sendo no Brasil chamados de "Esposas em Conflito" e "Mulheres Perfeitas" respectivamente. O primeiro, um pouco mais fiel ao livro, e o segundo tentando ser uma comédia (e um desatre se comparado ao livro). Em ambos os livros, é possível notar justamente o padrão de "How to be a Good Wife" nas esposas zelosas de Stepford.

Voltando ao começo do texto, o que me impressiona não são as mudanças que houveram nesses mais de cinquenta anos. Realmente, ainda que não tenha gostado do filme "Mulheres Perfeitas", a visão de Stepford em dias atuais somente poderia ser visto como uma comédia de sarcástico humor. Mas o que realmente me surpreende são as imensas quantidades de mulheres que desejam ser robôs de Stepford, ainda que de maneira adaptada ao século XXI. Mesmo as mais militantes e engajadas, quando simplesmente é citado o movimento feminista, elas são as primeiras que, preconceituosamente, classificam o movimento como "coisa de lésbica" ou "coisa de mal amada". Outras, nem tão politizadas assim, consideram um absurdo qualquer forma de traição, mas aplaudem quando na novela das oito uma personagem se pega no tapa com outra por ser ela amante de seu marido. Outras ainda consideram a surra levada em casa de seus clássicos "machões de cozinha" algo passível de perdão, mas coloca a traição conjugal como única cláusula para o divórcio e denúncias. E, pasmem, há aquelas que realmente tentam adaptar ou seguir as dicas de "How to be a Good Wife" para melhor segurar seu marido.

Fazer agrados para o marido, além dele fazer agrados para a esposa, são coisas excelentes e saudáveis para qualquer relacionamento. Mas, a vida é a dois, ou em família. Dividir tarefas, ser compreensível, entender que ninguém é dono de ninguém, e buscarem juntos superar os desafios, dialogarem sem a famosa "Discutir a Relação" ou outros dramas, dividir tarefas equitativamente, enfim, o casal em tempos atuais deve ser mais casal. A esposa deve ser mais companheira, e o marido ainda mais companheiro. Ele deve apoia-la em estudos, negócios, trabalhos, gostos e sonhos. E ela deve fazer o mesmo. Criar um ambiente familiar saudável para os filhos e não sair criando tabus e estreitamentos de horizontes. Enfim, rasgar todos os manuais de conduta e partir para uma vida conjugal saudável e inteligente. E, de vez em quando, ler o livro de Ira Levin como o devido conto de terror que ele é.

Ósculos e amplexos!

Um comentário:

Luana Bonone disse...

Desse jeito vou te pedir em casamento! rsrsr
ADOREI o texto, bacana mesmo, Michael... vou sugerir publicação em páginas da UBM e afins, inclusive. E acho q temos que enviar para a mulherada da UJS toda, porque de fato há muitas militantes que quase se orgulham de serem machistas (tão ou mais que alguns compnaheiros).
Muitos ósculos e amplexos para você também!!!
Lu