Se eu fosse fazer uma análise dos primeiros cinco anos de novo milênio, como eu abordaria? Começaria em me desdobrar sobre a terrível perda da busca de um todo que complemente e a nova busca interminável, compulsiva e consumista da fé nos pedacinhos. Perderia-me nessa incrível situação em que o Ser chegou, do aumento substancial daqueles que possuem o poder de selecionar livremente e com muito mais facilidade o que comer no mundo da informação, da comunicação, e este simplesmente continuar nos velhos hábitos de ruminar a eterna alfafa outrora mastigada por Redes Globos espalhadas por todo o mundo. Desses seres que estufam o peito para se orgulhar de toda a sua imbecilidade. De continuar acreditando em super-homem e, dessa forma, culpar aquele representante ou aquele outro por ainda não ter salvado o mundo, e assim, vai para a cama com a sensação do dever cumprido. Como diria Raul Seixas: “convence as paredes do quarto e dorme tranqüilo, mesmo sabendo, no fundo do peito, que não era nada daquilo”. E, já no quinto ano do novo milênio, ainda somos nada daquilo.
Depois, creio eu, continuaria no caminho do entretenimento. Daquilo que consegue fazer com que nos sintamos fora, por um instante, desse mundo bruto e mal lapidado pelas mãos dos gananciosos. Pois, nesse mundo absurdo, a moral é cristã, mas a verdade é daqueles que podem comprar o direito de proferi-las. Esses, quiçá não herdem o reino dos céus, senão era o que faltava, espremem nossos cérebros impondo o que devemos crer ser o entretenimento ideal. De um lado, o entretenimento baseado na banalidade, uma espécie de mea culpa por anos e mais anos de sexualidade reprimida. E haja bundas para serem mostradas. E, por outro lado, a depressão juvenil vendida nas boutiques e vitrines desde as lojas do Soho novaiorquino às prateleiras do Shopping Total curitibano. Tanto faz se é funk, rock, pop, metal, lock; vendendo é o que importa. E, quando todos estiverem fartos desse entretenimento, convencem e continuarão convencendo que isso é cultura, que isso é o que nos representa. E, exaustos de sermos eternas camisetas de banda numa propaganda de refrigerante, voltaremos ao servil trabalho alienante como enquanto exemplos de trabalhadores alienados. E, ao ver aquele velho adolescente dizendo que não gosta mais de uma determinada banda por ela ter se tornado comercial, chorarei pela sua alienação, não mais rirei, portanto, da sua cegueira.
Por fim, daria por conta que esses primeiros cinco anos de terceiro milênio não são um começo de era. Mas talvez o início de um fim, um interregno entre a mordaça e a língua que rasga. Entre o silêncio e a fulminante trombada. Então, do fundo do meu coração, um feliz 2006, por favor!
PS* Quebrando um pouco o clima deprê, mas que tive que escrever essas letras acima, lembrei da sugestão de Ozzy Ozbourne: "vejam ou conheçam Velvet Revolver. Até que é boazinha, mas porra, tem o Slash!" (sic; mas originalmente em inglês, obviamente).
Ósculos e amplexos. E até daqui a pouco, com a conversa de cozinha. Já pus a erva na cuia para que comecemos o quanto antes. Terminou! Comente, senão acordará todos os dias puto com o mundo.
Um comentário:
Bom, eu sou um tanto suspeita para comentar, pois sou fã de seus textos, mas neste, em específico, consegui indentificar tudo aquilo que sinto a respeito destes últimos anos...
Inclusive a frase sitada do Raul sempre ronda a minha mente à noite, quando me pergunto se aquilo que venho fazendo é suficiente, engraçado, sempre chego à conclusão que não, sempre há mais a ser feito....
Espero que de fato estes primeiros cinco anos componham uma fase de transição para algo melhor, talvez nem cheguemos a presenciar esta melhora, mas saber que estamos contribuindo para a construção de uma nova sociedade, nem que esta contribuição seja ínfima, já é animador.
Que venham mais cinco anos e que desta vez o progresso fique mais claro.
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