Na coluna "História Cultural", do André Egg na Gazeta do Povo, há uma dura crítica ao futebol brasileiro. Segundo Egg, há uma longa decadência do futebol brasileiro, tendo como símbolos a derrota acachapante do Santos contra o Barcelona. Evoca ainda que a seleção derrotada de 1982 carregava muito mais da beleza do futebol brasileiro do que a paradigmática seleção de 1994. Além de outros argumentos.
Pera lá, apesar de André ser um excelente colunista cultural, não é muito bom com argumentos capazes de perfurar a aparência e atingir a essência quando o assunto é futebol. Por exemplo, ignorar completamente a campanha do Brasil nas copas de 1998 e de 2002 é de um equívoco imperdoável para todo aquele que deseja fazer uma boa análise sobre o esporte das multidões (como diria Carneiro Neto). Apesar de nossa frustração com a fatídica final de 98 - eu realmente não sei até hoje como perdemos aquela copa com aquele timaço! - não isenta o fato de ter sido uma das melhores seleções de todos os tempos. Tanto que praticamente a mesma seleção faturou a Copa de 2002 - e há quem acredite que essa seleção era tão boa quanto a de 1970. Aliás, eis um argumento fantástico para os mais saudosistas: o time que ganha sempre supera o time que perde, por melhor que o perdedor seja.
A Copa de 94 é paradigmática para o futebol mundial. Se fôssemos o único time ruim da competição, seria a zebra do século. Mas não éramos. Era o fim de uma era para o mundo inteiro. O futebol deixava de ser semi-profissinal para ser uma parcela importante da economia. Lembremos sempre que o primeiro jogador profissional, de fato, no Brasil surge na década de 80 com o Zico. Nos países europeus essa realidade foi a mesma. E a adaptação para esse novo futebol acabou em 94, com uma Copa de afogadilho feito em um país que nunca deu muita bola para a bola nos pés. E praticamente o único país que já havia encerrado o ciclo do semi-profissionalismo e vinha com tudo para faturar aquela copa foi superada em campo justamente pela seleção canarinho: a Holanda. Sem falar nos grandes momentos como o da superação brasileira contra a Suécia. Foi uma seleção ruim, numa copa ruim, mas valorosa!
No contrafluxo, já possuíamos no nível dos clubes, por exemplo, o São Paulo F.C. que foi o primeiro a se adaptar às exigências desse futebol-empresa (e o resultado foi dois inquestionáveis títulos mundiais). Surgiram clubes e mais clubes mobilizados por muita grana e um conceito de clube-empresa. E tais clubes dominaram o cenário futebolístico brasileiro com força. Lembremos da fila histórica do Coritiba F.C. na década de 90 por não querer se adaptar a essa nova realidade enquanto seu rival Atlético Paranaense nadava de braçada justamente por ter se adaptado mais rapidamente (sendo campeão brasileiro e vice-campeão das Américas logo no começo da década seguinte).
O duelo mundial sempre é um time sulamericano contra um europeu. E, nesse duelo, o Brasil figurou na constelação dos campeões algumas vezes na década que recentemente se encerrou. Campeões mundiais com Corinthians, São Paulo, e Internacional. A década de 90 demonstra que o Brasil começa uma ascendência, com somente São Paulo sendo campeão (duas vezes), mas com Grêmio, Palmeiras, Vasco e Cruzeiro vice-campeões (ou seja, sete vezes com brasileiros no topo do mundo futebolístico). Se compararmos, por exemplo, a década de 80, somente o Flamengo teve este feito no único ano em que brasileiros chegaram lá.
Passadas duas décadas dessa transformação, chegamos a uma final mundial entre Santos e Barcelona. Com todo o seu valor, Santos era um timaço. Mas o Barcelona apresentava, como diria os diários de todo o mundo, um futebol "extraterrestre". O Santos tinha Ganso e Neymar, além de um belo elenco. Barcelona tinha em cada um de seus jogadores um nível superior aos de Ganso e Neymar e em uma harmonia sobre-humana. Deve-se, para ter uma análise correta, concordar com o comentário de Neymar após a partida: "eles nos deram uma aula de futebol". Não se trata de uma decadência do futebol brasileiro, mas de um grande momento do futebol do Barcelona (e apenas desse time, pois o futebol espanhol anda muito mal das pernas). Lembremos que o Barça atropelou todos os que passaram por sua frente, incluindo clubes espanhois, italianos, ingleses e alemães. Atropelou, também, o clube brasileiro. Portanto, buscar argumentos depreciativos ao futebol brasileiro não apenas desqualifica verde-amarelos (e alvinegros) como também desqualifica o inconstestável melhor clube do mundo na atualidade: o Barcelona.
Ósculos e amplexos!
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