Ao ler a
nota de repúdio lançada pelo movimento estudantil Kizomba
(http://kizombapr.blogspot.com.br/2013/04/nota-de-repudio-direcao-da-upes.html),
minha primeira reação foi a de desejar lançar um concurso. Sim, e
esse concurso se chamaria: “a melhor entidade estudantil do
Paraná”. Não seria um concurso nacional, pois ainda tenho um
certo otimismo e acredito que essa realidade pode ser diferente em
pelo menos uma entidade estudantil em todo o território nacional. As
regras terão como critério: apurar qual é a entidade que promove
lutas nacionais, estaduais e municipais dentro de suas instituições
de ensino; que convoca os estudantes de sua instituição a se unir a
outros estudantes nas lutas gerais dos estudantes; que cria
mecanismos para a defesa dos estudantes que representa diretamente;
e, por fim, que tenha excelência na aquisição, ampliação e
administração de seu patrimônio.
Acompanho
o movimento estudantil há uns vinte anos e desde sempre a situação
já bradava contra a oposição – usando o neologismo usado na nota
de repúdio – de “des-gestão”. Curiosamente também, a
oposição bradava o mesmo para a situação. E juntos, situação e
oposição, bradam a realidade de “des-gestão” do movimento
estudantil como um todo para com os jovens e os estudantes.
Não são
poucos os movimentos independentes das grandes forças políticas que
surgem única e exclusivamente para apontar a má administração das
entidades estudan
tis. Elas duram pouco, mas é impressionante seus
resultados. Transformam qualquer sede de entidade estudantil, em
poucos dias de gestão, no mínimo, num confortável centro de
convivência para os estudantes. Ajeitam sua documentação e caixa
da entidade com uma competência incrível. Promovem uma série de
eventos que agradam a maioria dos estudantes – quem não gosta de
uma boa festa? Entretanto, no primeiro sinal de necessidade política,
como defender uma sala de aula inteira contra um abuso cometido por
um professor despreparado, por exemplo, a entidade demonstra sua
imensa fragilidade. E, em pouco tempo, os estudantes refletem que é
melhor uma entidade estudantil capenga, mas que lute a uma entidade
que brilha aos olhos, mas que se acovarda.
Então,
as grandes forças políticas do movimento estudantil se instalam
naquela entidade estudantil. Eles são ótimos em matéria de
representação. Resolvem com diplomacia as querelas internas da
instituição de ensino, mas não se acovardam quando uma luta de
trincheira tem que ser promovida se necessária. Trazem para a
instituição de ensino a consciência de que há uma luta muito
maior sendo travada no mundo inteiro. Trazem ainda a noção de
solidariedade, mostrando para os estudantes que o sofrimento que eles
passam em sua instituição de ensino não é muito diferente daquele
que o estudante de outra instituição sofre. Promovem imensos,
importantes e divertidos congressos estudantis. Articulam-se com os
grandes atores políticos e conquistam verdadeiras transformações
sociais de vez em quando. Entretanto, a administração das entidades
é horrorosa. Impera-se a desorganização. E a administração do
patrimônio da entidade, em pouco tempo, começa a atrapalhar a
condução das lutas estudantis. E logo os estudantes novamente
começam a refletir se compensa uma entidade que lute, mas que não
valoriza e não amplia o patrimônio que possui.
Eis a
roda-viva que o movimento estudantil vive desde que venceu a ditadura
militar e deixou de ser clandestino. Por isso a minha vontade de
criar um prêmio para àquela entidade que consegue romper com esse
ciclo vicioso.
Agora,
soa como uma desonestidade ímpar uma força do movimento estudantil
atacar a desorganização das entidades estudantis. Pior: atacar a
carteirinha estudantil como o Kizomba atacou. Se meu prêmio fosse
criado, tenho certeza: nenhuma, absolutamente nenhuma, força
estudantil sequer pontuaria nos critérios de gestão do patrimônio
das entidades que dirigem ou que exerçam influência majoritária. É
um problema histórico, que independe da concepção ideológica ou
política das forças estudantis. É também um problema econômico e
sistêmico: os jovens são sistematicamente oprimidos e muito
dificilmente atingem a multidisciplinaridade e a complexidade que uma
gestão de entidade do terceiro setor necessita. Olhemos para todo o
movimento social brasileiro e veremos que são exceções as
organizações sem fins lucrativos que conseguem aliar com qualidade
a luta com a administração. Por fim, não nos esqueçamos da luta
de classes. A maioria esmagadora de estudantes que necessitam de uma
representação política pertencem às classes sociais menos
favorecidas da sociedade. Estudantes e mais estudantes que tomam para
si a responsabilidade de dirigir o movimento estudantil, mas que
desde as mais tenras idades são preparados pela sociedade a
oferecerem única e exclusivamente sua força de trabalho. Não
possuem educação administrativa e nem tampouco noção de
acumulação de patrimônio.
Além de
desonesto, é preocupante quando uma força política como o Kizomba
ocupa-se deste tema unicamente para forçar um ataque contra as
forças políticas a que se opõe. Quando age dessa forma, isenta-se
de responsabilidade, atribuindo toda a culpa pelo ciclo vicioso à
força política que deseja atacar. E o problema real não se
discute. Não se apontam soluções. Nem sequer o vício é
identificado para ser combatido. Ainda mais preocupante devido a
força ser progressista e defender uma preocupação tipicamente
opressora: a de que a luta se mede pela capacidade administrativa –
quando sabem que são coisas distintas e que uma não se mede pela
outra, ainda que ambas sejam importantes.
Ainda
mais na contramão, essa força após fazer uma ode à burocracia,
ainda ataca o principal elemento de autonomia política de uma
entidade estudantil: a carteirinha. De uma só tacada, o movimento
Kizomba se iguala a Paulo Renato, Veja, Folha de São Paulo e
Fernando Henrique Cardoso no esforço em dissolver os mecanismos de
luta das entidades estudantis. Identificam um ponto nevráugico da
autonomia das entidades estudantis e a ataca com o argumento de que o
movimento estudantil deve procurar outras formas de captar seus
recursos. Essas mesmas forças já condenaram as parcerias com a
iniciativa privada para se captar recursos para as entidades
estudantis. Essas mesmas forças que condenam os convênios com o
poder público. E o argumento não poderia ser ainda mais cretino:
por ser um direito, o estudante não deve pagar nada.
O
direito de ser representado pelas entidades estudantis não é pago.
Bem como o usufruto do direito de meia entrada também não o é.
Mas, identificar-se como estudante tem um custo e tal identificação
não é dever do Estado. Indo mais além, ao se “comprar” uma
carteirinha estudantil o estudante, consciente disso ou não, escolhe
sua entidade representativa para ser reconhecido como estudante. Se
não o próprio estudante a proporcionar tal identificação, somente
uma instituição opressora e que concentra renda é capaz de fazê-lo
– como os bancos vem fazendo. É extremamente comum ver
instituições de ensino superior distribuindo suas carteirinhas
estudantis gratuitamente, pois foram pagas pelo banco que apôs sua
logomarca no verso. Já o mesmo não se aplica nas escolas
secundaristas justamente por ser a Upes ainda uma das melhores
alternativas para o estudante em matéria de identificação.
Após a
famosa MP do Paulo Renato, na década de 1990, o estudante tem vários
meios de ser identificado a fim de usufruir de seu direito à meia
entrada e somente uma é por meio de entidade estudantil. O cinismo é
reforçado na ausência de qualquer nota de uma força estudantil
como a Kizomba a criticar esses outros meios a fim de fortalecer a
carteirinha das entidades históricas dos estudantes.
O que me
deixa preocupado é que o tal do ciclo vicioso não acaba. E todo
esforço para que esse ciclo se rompa é facilmente trocado pela
lógica da disputa interna do movimento.
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