03 abril 2013

Concurso: A melhor entidade estudantil do Paraná!

Ao ler a nota de repúdio lançada pelo movimento estudantil Kizomba (http://kizombapr.blogspot.com.br/2013/04/nota-de-repudio-direcao-da-upes.html), minha primeira reação foi a de desejar lançar um concurso. Sim, e esse concurso se chamaria: “a melhor entidade estudantil do Paraná”. Não seria um concurso nacional, pois ainda tenho um certo otimismo e acredito que essa realidade pode ser diferente em pelo menos uma entidade estudantil em todo o território nacional. As regras terão como critério: apurar qual é a entidade que promove lutas nacionais, estaduais e municipais dentro de suas instituições de ensino; que convoca os estudantes de sua instituição a se unir a outros estudantes nas lutas gerais dos estudantes; que cria mecanismos para a defesa dos estudantes que representa diretamente; e, por fim, que tenha excelência na aquisição, ampliação e administração de seu patrimônio.

Acompanho o movimento estudantil há uns vinte anos e desde sempre a situação já bradava contra a oposição – usando o neologismo usado na nota de repúdio – de “des-gestão”. Curiosamente também, a oposição bradava o mesmo para a situação. E juntos, situação e oposição, bradam a realidade de “des-gestão” do movimento estudantil como um todo para com os jovens e os estudantes.

Não são poucos os movimentos independentes das grandes forças políticas que surgem única e exclusivamente para apontar a má administração das entidades estudan
tis. Elas duram pouco, mas é impressionante seus resultados. Transformam qualquer sede de entidade estudantil, em poucos dias de gestão, no mínimo, num confortável centro de convivência para os estudantes. Ajeitam sua documentação e caixa da entidade com uma competência incrível. Promovem uma série de eventos que agradam a maioria dos estudantes – quem não gosta de uma boa festa? Entretanto, no primeiro sinal de necessidade política, como defender uma sala de aula inteira contra um abuso cometido por um professor despreparado, por exemplo, a entidade demonstra sua imensa fragilidade. E, em pouco tempo, os estudantes refletem que é melhor uma entidade estudantil capenga, mas que lute a uma entidade que brilha aos olhos, mas que se acovarda.

Então, as grandes forças políticas do movimento estudantil se instalam naquela entidade estudantil. Eles são ótimos em matéria de representação. Resolvem com diplomacia as querelas internas da instituição de ensino, mas não se acovardam quando uma luta de trincheira tem que ser promovida se necessária. Trazem para a instituição de ensino a consciência de que há uma luta muito maior sendo travada no mundo inteiro. Trazem ainda a noção de solidariedade, mostrando para os estudantes que o sofrimento que eles passam em sua instituição de ensino não é muito diferente daquele que o estudante de outra instituição sofre. Promovem imensos, importantes e divertidos congressos estudantis. Articulam-se com os grandes atores políticos e conquistam verdadeiras transformações sociais de vez em quando. Entretanto, a administração das entidades é horrorosa. Impera-se a desorganização. E a administração do patrimônio da entidade, em pouco tempo, começa a atrapalhar a condução das lutas estudantis. E logo os estudantes novamente começam a refletir se compensa uma entidade que lute, mas que não valoriza e não amplia o patrimônio que possui.

Eis a roda-viva que o movimento estudantil vive desde que venceu a ditadura militar e deixou de ser clandestino. Por isso a minha vontade de criar um prêmio para àquela entidade que consegue romper com esse ciclo vicioso.

Agora, soa como uma desonestidade ímpar uma força do movimento estudantil atacar a desorganização das entidades estudantis. Pior: atacar a carteirinha estudantil como o Kizomba atacou. Se meu prêmio fosse criado, tenho certeza: nenhuma, absolutamente nenhuma, força estudantil sequer pontuaria nos critérios de gestão do patrimônio das entidades que dirigem ou que exerçam influência majoritária. É um problema histórico, que independe da concepção ideológica ou política das forças estudantis. É também um problema econômico e sistêmico: os jovens são sistematicamente oprimidos e muito dificilmente atingem a multidisciplinaridade e a complexidade que uma gestão de entidade do terceiro setor necessita. Olhemos para todo o movimento social brasileiro e veremos que são exceções as organizações sem fins lucrativos que conseguem aliar com qualidade a luta com a administração. Por fim, não nos esqueçamos da luta de classes. A maioria esmagadora de estudantes que necessitam de uma representação política pertencem às classes sociais menos favorecidas da sociedade. Estudantes e mais estudantes que tomam para si a responsabilidade de dirigir o movimento estudantil, mas que desde as mais tenras idades são preparados pela sociedade a oferecerem única e exclusivamente sua força de trabalho. Não possuem educação administrativa e nem tampouco noção de acumulação de patrimônio.

Além de desonesto, é preocupante quando uma força política como o Kizomba ocupa-se deste tema unicamente para forçar um ataque contra as forças políticas a que se opõe. Quando age dessa forma, isenta-se de responsabilidade, atribuindo toda a culpa pelo ciclo vicioso à força política que deseja atacar. E o problema real não se discute. Não se apontam soluções. Nem sequer o vício é identificado para ser combatido. Ainda mais preocupante devido a força ser progressista e defender uma preocupação tipicamente opressora: a de que a luta se mede pela capacidade administrativa – quando sabem que são coisas distintas e que uma não se mede pela outra, ainda que ambas sejam importantes.

Ainda mais na contramão, essa força após fazer uma ode à burocracia, ainda ataca o principal elemento de autonomia política de uma entidade estudantil: a carteirinha. De uma só tacada, o movimento Kizomba se iguala a Paulo Renato, Veja, Folha de São Paulo e Fernando Henrique Cardoso no esforço em dissolver os mecanismos de luta das entidades estudantis. Identificam um ponto nevráugico da autonomia das entidades estudantis e a ataca com o argumento de que o movimento estudantil deve procurar outras formas de captar seus recursos. Essas mesmas forças já condenaram as parcerias com a iniciativa privada para se captar recursos para as entidades estudantis. Essas mesmas forças que condenam os convênios com o poder público. E o argumento não poderia ser ainda mais cretino: por ser um direito, o estudante não deve pagar nada.

O direito de ser representado pelas entidades estudantis não é pago. Bem como o usufruto do direito de meia entrada também não o é. Mas, identificar-se como estudante tem um custo e tal identificação não é dever do Estado. Indo mais além, ao se “comprar” uma carteirinha estudantil o estudante, consciente disso ou não, escolhe sua entidade representativa para ser reconhecido como estudante. Se não o próprio estudante a proporcionar tal identificação, somente uma instituição opressora e que concentra renda é capaz de fazê-lo – como os bancos vem fazendo. É extremamente comum ver instituições de ensino superior distribuindo suas carteirinhas estudantis gratuitamente, pois foram pagas pelo banco que apôs sua logomarca no verso. Já o mesmo não se aplica nas escolas secundaristas justamente por ser a Upes ainda uma das melhores alternativas para o estudante em matéria de identificação.

Após a famosa MP do Paulo Renato, na década de 1990, o estudante tem vários meios de ser identificado a fim de usufruir de seu direito à meia entrada e somente uma é por meio de entidade estudantil. O cinismo é reforçado na ausência de qualquer nota de uma força estudantil como a Kizomba a criticar esses outros meios a fim de fortalecer a carteirinha das entidades históricas dos estudantes.

 O que me deixa preocupado é que o tal do ciclo vicioso não acaba. E todo esforço para que esse ciclo se rompa é facilmente trocado pela lógica da disputa interna do movimento.

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