Em
frente à minha morada há um semáforo, mas não há um cruzamento. E a explicação
é muito simples: há dois imensos condomínios em uma avenida bastante
movimentada que, sem um semáforo, seus moradores não teriam condição nenhuma de
atravessá-la. Havia sobre a faixa de pedestre uma lombada eletrônica, porém os
motoristas apenas reduziam a velocidade e jamais paravam para os pedestres. A
solução urbana foi colocar um semáforo.
Dizer
que ninguém respeita é um exagero. Mas, infelizmente, há uma minoria
irresponsável. Sempre que o sinal fecha pelo menos um carro ou uma moto avança
o sinal. Os moradores de meu e do condomínio ao lado ainda recebem
gesticulações ou mesmo palavrões bastante indecorosos desta minoria sem
educação. Curiosamente, o próximo semáforo é respeitado por todos: há um radar
para flagrar tanto excesso de velocidade quanto avanço de sinal. E o bairro
inteiro conclui: mal educado só respeita o bolso. Como contestar essa sabedoria
popular? Questiono a indústria da multa, mas a cada dia defendo mais que
deveria ter esses “pardais” em todos os semáforos da cidade.
Agora,
o mais irritante é o famoso sinal luminoso de alerta, vulgo pisca-alerta. Uma
espécie de sinal capaz de dar superpoderes a qualquer um que a utilizar. Em
minha infância, havia um sinal que permitia descansar sem maiores prejuízos para
a brincadeira: dedos cruzados ou, como dizíamos na época “estar de figas”. O
pisca-alerta, para muitos motoristas, transformou-se em uma espécie de “figas” para
qualquer lei de trânsito. Batas ligar o pisca-alerta e o motorista se considera
no direito de parar em fila dupla, subir na calçada, furar o sinal e, pasmem,
brigar com pedestre que teima em atravessar na faixa de pedestre e com o sinal
fechado para os carros – como o que existe em frente à minha morada, por
exemplo. Certo dia, pude presenciar essa cena ridícula. Motorista saindo do
carro, gesticulando furiosamente, e dizendo: - “não viu que eu estava com o
pisca-alerta ligado?” – falou para o pobre senhor com seus mais de 70 anos que
por pouco não fora atropelado.
Ficou
indignado ou indignada? Eu também fiquei. Comecei então a observar quantas “figas”
da lei ou do respeito ao próximo estamos sujeitos. E fiquei assustado com o
resultado: pior que no trânsito, há uma insistência imensa pelos meios de
comunicação de que o humor é “figas” para o respeito. Ou seja, temos que
aceitar com naturalidade qualquer coisa desde que ela seja uma brincadeira.
Caso contrário, escutaremos um sermão sobre o chamado politicamente correto.
Tudo o que machuca, assusta, suja, incita violência, ou ofende não é uma
brincadeira, é assédio. É uma lógica estúpida justificar que o humor permite provocar
dor, destruir reputações, e até mesmo causar traumas e fraturas irreversíveis.
Ficamos
refém do mal educado motorista, pois não há como denunciá-lo. Ficamos refém dos
superpoderes do pisca-alerta, pois podemos ser frontalmente atacados por um
motorista perigoso e que se acha cheio de razão. Ficamos refém da baixaria, dos
péssimos humoristas, que sem uma regulação dos meios de comunicação não temos
como nos defender.
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