Sempre subjugado, impedido de manifestar um pensamento, uma cultura, uma identidade nacional, o Brasil entra em um novo século para sua manifestação intelectual, cultural, política e social. Para os mais pessimistas, o país começa a ser um país tão somente de 1992 para cá, quando o povo, liderado por trabalhadores e estudantes, derruba o presidente e de maneira democrática, rompendo até mesmo com a tradição de golpes para se detonar uma presidência na América Latina. É o século XXI com seus novos desafios, nova realidade, enfim, um novo século.
O movimento estudantil, ao seu modo, segue a onda. Propõe, ao mesmo tempo, uma reflexão profunda sobre sua estrutura e propõe aos intelectuais brasileiros uma verdadeira e autônoma teoria brasileira, a tão mal falada pela academia filosofica brasileira. O anúncio do tema da 6º Bienal da UNE, em 2009, será "A Formação do Povo Brasileiro". Resgatando para todas as áreas das universidades, através da cultura, a continuidade do trabalho de Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, José Carlos Ruy, e tantos outros intelectuais que buscaram, cada qual ao seu tempo, uma teoria histórica que, ao mesmo tempo que explica o Brasil, pensa o Brasil por brasileiros.
É um gesto muito pequeno diante dos desafios, é verdade. Mas é um começo. E algumas décadas, os atuais estudantes universitários estarão no comando de empresas, partidos, organizações sociais, e das próprias universidades. Podendo, desde já, romper com a tradição de importação acrítica de pensamentos sem reflexão própria, baseada numa lógica e história de pensamento própria, sem abrir mão da conectividade com o mundo e o pensamento lá de fora.
Essa transição que passamos atualmente exige que o próprio movimento estudantil se reformule. Ainda bastante presa ao século XX, especialmente na sua forma de organização, ainda bastante parecida com a do Movimento Estudantil da época da redemocratização. Com a busca por um Brasil teórico, pensado por brasileiros, o movimento estudantil deverá questionar cada ponto de sua organização. Como transpor a inevitável organização coorporativista dos centros acadêmicos e executivas de curso, fazendo com que a organização estudantil se extenda para a comunidade, indo além da comunidade acadêmica? Como elaborar e executar propostas e sair da eterna situação de reivindicações sufocadas e da necessidade de explosões de massa para ser ouvida? Como agregar todos os estudantes em sua organização, atualmente uma ínfima minoria e com sérios descréditos sobre a política, alienadíssimos pela política de aversão à política plantada por professores velhacos, saudosos das atrasadas cátedras, imprensa, e bombardeios de escândalos e fuga dos principais debates nacionais? Como construir um movimento democrático, eliminando a cultura dos aliados estratégicos dentro do próprio movimento em troca de uma nova cultura de alianças táticas baseadas tão somente em propostas, mobilização e política? Como preencher a lacuna histórica que sempre perseguiu o movimento estudantil, colocando-o em eterna situação de penúria financeira e educando uma enorme massa de militantes a terem pavor de se ter dinheiro, pavor de negociar financeiramente suas propostas, de ser monetariamente independente? Como engajar-se em outras áreas, em outras frentes, e conseguindo ampliar o limitado horizonte da mera disputa das carcomidas máquinas estudantis? Como concorrer com Associações, Fundações, e tantos outros agentes que, nos momentos de decisão em suas universidades, esquecem do estudante e o trata apenas enquanto consumidor, quando ele é a essência de toda instituição que deseje ter ensino e pesquisa científica? Como convencer a velhaca política brasileira de que a assistência estudantil não é nem política de compensação e nem mesmo um programa social assistencialista aos mais carentes, mas um investimento necessário para a melhoria da educação, a tão problemática educação brasileira? Como unificar movimentos sociais, encurtando distâncias entre as lutas do povo brasileiro, ao mesmo tempo negociando com todos os atores sociais e sem vender nem princípios e nem interesses estudantis? Enfim, tantos temas, que o debate está pelo menos vinte anos atrasado.
Agora, e o mais importante para essa nova organização: como vencer a visão tacanha de discutir o interesse estudantil nas coisas menores, como forma de eleição da direção da UNE ou, pior, a construção de UNEs paralelas, e passar a discutir transformações, tanto na esfera local, fazendo valer a nossa visão de autonomia universítária, tanto na esfera nacional, fazendo valer a nossa visão de soberania nacional, fim das mazelas sociais, e desenvolvimento brasileiro?
"Eu boto fé é na rapaziada que segue em frente e segura o rojão". A Bienal rompe com o movimento estudantil do século XX e dá o ponta-pé inicial para o Movimento Estudantil do século XXI.
2 comentários:
Fala Michael
Eita que esta Bienal promete, otimo tema.
Achei muito boa sua esplanação sobre o m.e., apesar de ter jargões, os quais na minha humilde opinião não fazem seu estilo.
No mais da uma passada no meu blog e comenta tb.
Grande Abraço
Muito obrigado, Marc. A crítica de um amigo é sempre bem vinda. Jargão, de fato, não é meu forte, inclusive brigo com quase todas elas pelo seu caráter elistista de lígua dos eleitos. Mas, a essência não é um pastel pronto, pelo contrário, um desejo de que o movimento estudantil se supere e finalmente entre no século XXI.
Passarei a me policiar mais quanto aos jargões, pode ter certeza. Abraços, e podes crer que daqui a pouco estarei nos comentários de seu blog.
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