Se gosto é como nariz, ou outra parte importante qualquer do corpo, por toda pessoa ter o seu, então, como a nossa sabedoria popular brasileira já alerta: gosto não se discute. Mas, se considerarmos que cada pessoa possui um gosto, não no sentido de paladar, mas o de sentir prazer com algo e se identificar com aquilo, é então o gosto algo universal. Se algo é universal, é passível de crítica. Caso seja algo que caiba a crítica, cabe então a discussão. Eis uma antinomia deliciosa de se experimentar. Algo que não, a priori, chegará em nenhum fim, por haver inúmeros gostos, tem, e ao mesmo tempo, inteira possibilidade de ser debatido e buscar, ao menos um consenso, ou seja, chegando de alguma maneira em algum fim. Adeus lógica formal silogística, viva a dialética!
Todos consideram bela alguma coisa e, ao mesmo tempo, iguais capacidades de não considerar belo qualquer coisa. Do necessário discernimento, aparece o imprescindível gosto. O trabalhador, sem dinheiro, tempo, ou mesmo conhecimento auto-adquirido sobre qualquer coisa senão seus afazeres, não têm possibilidade de apurar seu gosto. Por sua vez, na medida em que encontramos sujeitos em classes sociais acima desse trabalhador, tão logo vemos o mesmo com oportunidades de apurar o seu gosto. Surge o bom gosto, nasce o elemento que excluirá o trabalhador do mundo do belo e das artes (estética). O trabalhador então dependerá daquilo que seu limitado mundo de oportunidades lhe dará para experimentar. E, entre uma imposição aqui e outra acolá, o gosto do trabalhador será apurado tão somente pela lógica do que as classes dominantes disserem para ele o que deve ser consumido (o bom gosto) e o que deverá ser execrado (o mau gosto). E, indo mais além, o que se é ditado como bom gosto às classes trabalhadoras pelas classes dominantes, será ditado como de mau gosto às classes intermediárias. Afinal, essas classes intermediárias deverão sempre, no plano dos de cima, identificarem-se com os de cima, e não com os de baixo. Sejam membros das classes trabalhadoras, sejam membros das classes intermediárias, aquela máxima de Marx se aplica por inteiro: “sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples alienação de todos” (Manuscritos Econômicos e Filosóficos). O verbo Ser foi violentado pelo Ter da burguesia. E, em troca, o gosto do trabalhador e das classes médias também se tornam mercadorias, afinal, o gosto do burguês faz do dinheiro “puramente estético, auto-alienado, auto-referente e autônomo” (Marx, ibd.).
E, seguindo a regra marxista que, mais ou menos, diz que quando o burguês aleija o trabalhador naquilo que é belo, é hora de sair da estética para entrar no político, eis que o gosto deve ser discutido e muito. Inverter os impulsos pequeno-burgueses que acaba auxiliando na exclusão do trabalhador pela sua não oportunidade de apurar seu gosto, para quiçá ter seu próprio gosto. Mas demonstrar que aquilo que ele gosta, que ele considera de bom gosto, não é de fato algo necessário para ele, mas algo imposto e que fatalmente o levará à exclusão. Que há, naquilo que ele venha a gostar, possibilidade de ele mesmo a criticar e não ser levado ao alienante. E que, se gosto é como nariz, que ao menos possamos dar outras possibilidades para que o trabalhador consiga escolher qual narina e com qual material, ao menos, ele necessariamente possa limpar primeiro e melhor.
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;-D
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