Ninguém questiona o aumento real da violência. No meio de milhares de formas de criminalidade está uma população amedrontada e que, com toda legitimidade, exige soluções imediatas. Estes sentimentos de medo e de insegurança dão margem para que nossos legisladores reforcem a clássica função do Estado em deter o monopólio da força, mas não cumpre o papel de promover a paz para seu povo. Por vários motivos, desde a grande corrupção e freqüente abuso de poder por praticamente todas as formas de autoridade até a falta de acesso à justiça pela maioria da população, a pacificação social é traduzida como aumento da repressão, perda da individualidade e da preservação da intimidade, e intensificação das práticas punitivas. Dentro desse cenário, diversas juventudes vão se constituindo constantemente um objeto nas políticas repressivas. Principalmente as juventudes das camadas mais pobres.
A violência urbana, enquanto representação coletiva, sempre é associada à criminalidade. Nisso, na busca por um grupo social determinado em que seus membros seriam os grandes responsáveis por todo crime que ocorra, cria o sujeito-bandido dotado de inúmeros símbolos e aparências que mais povoam o imaginário e o senso comum do que se associa de fato com a realidade. Dessa forma, é freqüente vítimas se tornarem principais alvos das práticas repressivas e com total apoio da população insegura. E o jovem, em sua maioria populacional, é o que menos possui condições de se defender das mazelas e da própria violência e é também constantemente associado à criminalidade.
O sentimento de medo que há no Brasil é bem fundamentado, pois há aumento real da criminalidade principalmente nos centros urbanos. Porém, tal aumento, não se justifica pelo aumento de uma suposta população bandida. Há uma complexa rede de relações diretas e indiretamente envolvidas com os mais diversos processos sociais. Há o crime organizado com forte recrutamento de trabalhadores, mas os índices de violência contabilizam que os homicídios, em sua maioria, não estão relacionados diretamente com o crime organizado. Há uma fortíssima relação entre a ansiedade provocada pela desigualdade social e o aumento no número de homicídios. Quanto maior a insegurança da população quanto aos seus empregos e ao atendimento de suas necessidades, principalmente as suas necessidades básicas, será mais violenta sua realidade social.
A configuração cultural, institucional e econômica do país, somado com o medo justificado do crime, fortalece no sentimento das massas de que há de se tomar lado com todas as forças na dicotomia entre o bem e o mal. E o representante eleito há de construir propostas e projetos que coloquem o Todo-Poderoso Estado, com seu monopólio da força, em combate ao lado dos defensores do bem contra a população bandida, defensora do mal. Com isso, uma chuva de projetos legislativos é discutida diariamente com o propósito de se aumentar ainda mais a repressão. Sempre alimentando a cultura de que ordem e autoridade é igual à violência legalizada.
A cultura que compreende ordem e autoridade como violência legal atinge todos os aspectos da vida da juventude brasileira. Não apenas a polícia, mas praticamente toda a forma de autoridade na vida de um jovem bebe da mesma água que compreende a violência como algo legítima. Quando a violência troca de mãos é que se tem um problema. Ao invés de se alimentar uma cultura de paz, alimenta-se uma cultura de violência ser legítima ou ilegítima. É o caso do Projeto de Lei 267/11, de autoria da Deputada Federal Cida Borghetti (PP-PR), que estabelece punições para estudantes que desrespeitam professores ou violarem regras éticas e de comportamento de instituições de ensino. O projeto, extremamente subjetivo quanto ao delito, mas absurdamente objetivo quanto à punição, entende que os professores e direção escolar vem perdendo autoridade e busca resgata-la munindo estes profissionais com poderes de repressão e violência (no caso, suspensão escolar e encaminhamento para autoridade judicial, que irá prendê-lo).
O projeto não possui nenhuma preocupação educacional. Ele apenas "lê" que o estudante adquiriu um poder ilegítimo – lembrando que o projeto bebe na fonte que associa autoridade com violência. Não se enxerga um indivíduo agredindo a um outro, mas condena a possibilidade de um estudante agredir um professor. E, uma vez que a ética escolar é fortemente influenciada por seus professores, o contrário pode ser justificado – a agressão de um professor pode ser legítima.
O projeto cai no gosto da população amedrontada. A criminalização da juventude é constante no imaginário que compõe a tal da população-bandida. Nesse imaginário, a figura do mau professor inexiste. O abuso emocional, verbal, ou mesmo psicológico que tais professores cometem contra seus estudantes é algo tão longínquo que muitos pais não acreditam em seus próprios filhos quando esses dizem que foram maltratados por seus professores. E, na ausência de um grêmio estudantil forte, na ausência de uma comunidade escolar democrática e de respeito mútuo entre as categorias escolares, muitos estudantes encontram na violência física contra seu algoz a sua única forma de defesa ou mesmo de manifestação. A exceção vira regra, o estudante é marginalizado, e Projetos de Lei como o da Deputada Federal Cida Borghetti é aclamado.
Há uma preocupação real em se garantir a segurança de professores contra maus estudantes. Realmente, quando um indivíduo agride outro fisicamente ou o ameaça de faze-lo deve sim sofrer as devidas e justas conseqüências. Porém, não é isso que o PL 267/11 fortalece. Ele revigora a criminalização da juventude. Ele dá margens, inclusive, para que isto seja utilizado como mecanismo de perseguição política. Ele se embasa nos mesmíssimos argumentos dos tempos de ditadura militar no país onde se dizia: ame a repressão ou deixe o país, no caso a escola.
O PL 267/11 vai na contramão da democratização da comunidade escolar, valoriza os maus professores, não soluciona o problema de violência nas escolas, e ainda conta com a possibilidade de suspender o direito que todo brasileiro tem à educação. Direito esse que nem mesmo nas penitenciárias se é retirado ou obstruído. Este Projeto de Lei joga por terra a possibilidade de colocar as juventudes como protagonistas de uma série de soluções que os atingem diretamente e reforça a idéia de que toda autoridade se demonstra pelo tamanho do porrete que segura. E, uma vez que permite a suspensão do estudante, coloca-o fora da alçada da proteção escolar e o expõe com maior facilidade ao contato com a violência – consideravelmente pior – que um jovem poderá sofrer fora da escola.
O PL 267/11, no fim das contas, é um projeto que favorece aqueles que sentem saudade da palmatória.
8 comentários:
Quer dizer que aplicar sanções como suspender um aluno para que ele não desrespeite mais o professor que é figura de autoridade dentro da sala de aula é palmatória?
Tudo bem então, façamos assim, deixemos que o aluno faça o que bem entender com os professores e depois saia e faça o mesmo na sociedade, aí quem o suspenderá do convívio da mesma será a polícia, que o educará de uma forma muito pior.
Suspensão não é castigo físico, é um alerta de que algo deve ser repensado. Alerta para o aluno e para os pais, que muitas vezes nada fazem para educarem seus filhos.
A criança e o adolescente são dependentes dos adultos, não podem ter, em absoluto, mais direitos do que eles, é como colocar a carroça em frente aos bois.
Andréa, obrigado pela sua visita e pelo seu comentário. Mas você leu meu texto e o meu projeto? Respeito a sua opinião, mas antes de criticar a minha, que tal entende-la primeiro?
VOCÊ CONHECE DE TUDO UM POUCO.MAS QUANTAS VEZES VOCE JÁ ENTROU NUMA SALA DE AULA? VOCE SABE REALMENTE O QUE ESTÁ DIZENDO? CONVIDO-O A SE TORNAR PROFESSOR. E ACONSELHO-O A PROCURAR AS ESCOLAS QUE MAIS PRECISAM DE VOCÊ,OU SEJA,AQUELAS QUE POSSUEM UM ÍNDICE ELEVADO DE VIOLENCIA VERBAL E FÍSICA.APLIQUE ALI TODO O SEU CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA. CERTAMENTE VOCÊ AJUDARÁ MUITO SENDO UM ÓTIMO PROFESSOR.
Anônimo...
Primeiramente, não tenha medo de se identificar, não há retaliações em meu blog. Segundo, caixa alta sempre significa na blogosfera tentar ganhar alguma coisa no grito. Coisa que definitivamente não há o porquê aqui. Terceiro, apesar de eu não ser professor de profissão, dou aulas, e já peguei muitas turmas complicadas e em lugares com complexas realidades sociais. Quarto, não leve adiante a visão de que um professor autoritário no comando de uma sala é a solução dos problemas. Olhe pelo lado do estudante também de vez em quando. ALteridade é importante para começar a se resolver o problema. E por último, entenda que o projeto é mal escrito, e não resolve nada. Apenas aumenta a violencia quando pratica uma outra maior: negar o direito de conhecimento a um estudante.
A suspensão pode não educar o aluno punido, mas serve de aviso para os outros alunos de que, na civilização, existem limites. É inclusive um aviso pedagógico, pois, num emprego ou no convívio social, esse futuro cidadão encontrará punições muito mais severas.
Quanto ao mau professor, é outra história e que tem a ver com valorização e reconhecimento dos bons professores (meritocracia).
O Estado oferece ensino, mas não se pode transformar as escolas públicas em "crechões" e lugar em que os alunos não podem estudar por causa de uma minoria de crianças e adolescentes descontrolados provenientes de famílias desestruturadas.
Enfim, esse projeto é uma esperança de se acabar com o clima de impunidade, irresponsabilidade e desrespeito a estudantes, professores, pais etc que, hoje, vinga nas escolas públicas. Não é uma solução, mas os limites fazem parte do convívio social.
Colega Michael, concordo com seu depoimento em que violência não se combate com violência. Não me manisfestei contra e nem a favor dessa lei ainda. Não tenho um projeto melhor, só reforço que o ECA traz de início ao fim direitos e direitos às crianças e os adolescente. Em seu depoimento afirma que professores ganharam ferramentas punitivas, acredito que não foi os professores que ganharam suportes e sim diante de tantos direitos, esse projeto veio dar deveres aos jovens.
Muitos têm falado que os professores são mal formados, que é desumano organizar respeito mutuo. Muitos estudiosos fazem depoimentos que alunos devem serem tratados como humanos( Eu concordo)mas, deixam subtendidos que um aluno dar uma cadeirada num professor é humano. Não estou de maneira nenhuma criticando seu pensamento, estou trocando ideias e gostaria de receber comentários seus. Qual providenci seria aconselhavel para um aluno que trata desumanamente seus professores e colegas de sala?
Uma ótima semana e obrigado por levantar essa discussão.
Professor: Dionisio
Realmente o seu texto está descontextualizado e desatualizado. Seu pensamento é mera reprodução do que as teorias educacionais contemporâneas europeias citam como ideal. No entanto, estamos no Brasil, e nossa cultura é diferente.
O brasileiro, na Educação, ainda precisa de LIMITES. Isso não é "ditadura", "palmatória" etc. Isso nem mesmo precisa ser encarado negativamente...Quem disse que punição, ou limites etc. são "negatividades"??? Pelo contrário, são maneiras de se educar também. Nos países com um desenvolvimento social avançado (como alguns europeus) essa proposta educacional funciona, pois os limites que citei já vem de casa, os alunos já os reconhecem naturalmente.
Aqui, a verdade, é que isso não existe ainda, portanto, precisa ser construído.
Precisamos é imediamente dessa Lei 267/11, pois além de tudo isso, será uma maneira de exemplificar na prática que o respeito ao outro DEVE ser seguido e cultivado como correto.
Caro Colega Michael!!!
O projeto não quer colocar a palmatória novamente na mão do professor. O projeto quer tirar o fuzil das mãos dos alunos. Mas, sinceramente, não precisamos de mais leis, pricisamos de políticas públicas e cumprimentos das leis existentes. O primeiro passo seria o brasileiro criar vergonha na cara e deixar de ser egocentrico.
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