30 setembro 2011

Reflexões para o movimento social (1): A necessidade de profissionalismo é desafiante e urgente.

Talvez o primeiro problema e um dos mais explorados por praticamente todo aquele que deseja fazer um bom discurso de oposição é acerca do afastamento da direção de suas bases. É comum ouvir esse discurso em praticamente toda eleição de sindicato, de grêmio estudantil, de centro acadêmico, e assim por diante. A lógica adotada é também sempre a mesma: a promessa de que, ao se derrotar a chapa situacionista, a base terá sua voz restabelecida no comando de sua entidade ou organização. O problema é que, entra oposição e sai situação, e o afastamento da direção da base permanece.

 

A quantidade enorme de casos em que a troca de forças políticas no comando de uma entidade em nada resultou quanto ao problema de aproximação entre direção e bases leva a crer que não se trata de um problema de força política, mas de uma cultura ou um ciclo vicioso comum à praticamente todas as organizações do movimento social.

 

Existe, e não há como negar, o interesse proposital de manutenção da distância entre direção e bases. Seja por conta de uma prática da oposição – que isola as bases da direção, em uma espécie de "cordão sanitário" a fim de proteger a possibilidade da situação ser derrotada na próxima eleição por esvaziamento de sua base de apoio -, seja por conta de uma estratégia da própria situação de evitar o questionamento constante de sua atuação – quanto mais distante da base, mais fácil de se fazer qualquer trabalho, pois não haverá a necessidade de prestação de contas de maneira constante. Mas, ao mesmo tempo, ambas políticas – na minha opinião, mesquinhas – fazem com que as bases se desmobilizem e se afastem, perdendo a vontade e o envolvimento. O movimento se enfraquece e as disputas entre situação e oposição vão ficando cada vez mais sanguinolentas. Sem bases, sobram somente os desejos dos grupos organizados. A entidade entra em falência, se não de recursos humanos e financeiros, a mais grave: a política.

 

Não há tática ou estratégia defendida por uma força política que dispute uma organização e que aceite uma entidade falida politicamente como resultado. Por conta disso, inúmeras políticas tomam como critério de análise a capacidade de relacionamento ou o conjunto de mecanismos de tomada de decisão que mais envolveram o conjunto de representados; abandonando ou desconsiderando as lutas sociais. Em outras palavras, é mais valorizada uma entidade que se torna eficiente no sentido de se traduzir enquanto centro de convivência do que uma que busca disputar e transformar aspectos da sociedade atual a que está imersa. E praticamente inexistem as organizações que conseguem ser excelentes centros de convivência ao mesmo tempo em que são combativas nas lutas sociais.

 

Quando uma entidade não consegue ser nem uma coisa e nem outra, as próprias bases dão por falida sua entidade e se afastam. A exigência, e o grande desafio, portanto, é ter organizações do movimento social que sejam capazes de se bem relacionar interna e externamente ao mesmo tempo em que usa deste relacionamento para se projetar com força política capaz de lutar e provocar mudanças sociais.

A profissionalização dos quadros de uma entidade, ou a criação de meios para a contratação de quadros profissionais, talvez seja um caminho obrigatório para as organizações do movimento social. Por diversos motivos – e muito bem justificados -, deseja-se que a transformação ou mesmo uma ação defendida por uma organização do movimento social seja alcançada de maneira autônoma e diretamente pela própria entidade. Porém, a política institucional gera resultados de tamanha valia, com tamanha regularidade e com tantos bons resultados que chega a ser atualmente tola a política de evitá-la. Em outras palavras, por exemplo, ter um razoável time de advogados no movimento produz muito mais resultado e impacto positivo em uma luta social do que não tê-los – por vezes, a luta só chega em algum lugar por ter desenvolvido uma boa atuação jurídica apesar de todos os esforços de mobilização, agitação e luta.

 

Atingir este grau de profissionalismo é um desafio e tanto! Por exemplo, o movimento estudantil, cuja base não tem obrigações de contribuição como no movimento sindical, imaginar um time multiprofissional, composto por ex-militantes enquanto formadores e gestores do conhecimento acumulado, todos bem remunerados, parece ser mais uma utopia em um primeiro momento. Mas é fato notável que os poucos – e bravos - militantes sejam consumidos pelo movimento, sendo obrigados a atuar de maneira voluntária e amadora nos mais diversos aspectos. "Batem o escanteio e correm para a área para o cabeceio". E o resultado: há muita motivação no começo, muitos esforços sobre-humanos pelo caminho, e completa destruição do sujeito caso fique muito tempo neste processo. Sequer experiência profissional podem acrescentar em seus currículos profissionais, pois não é visto com bons olhos tanto tempo de dedicação em atividade voluntária – muito menos em atividade considerada por muitos como "subversiva".

 

Com o passar do tempo, e isso já é facilmente identificável em dias atuais, a precariedade de recursos, a enorme sobrecarga na militância, e o desgaste da imagem da entidade ou do próprio movimento para com a base, vai esgotando os poucos batalhadores que se dispõe a dirigir e organizar o seu movimento social. Extremamente cansados, estes militantes – na sua maioria honesta e sem pretensões de se tornar milionários fazendo luta social – caso não consigam se profissionalizar e assim poder abrir caminho para novos dirigentes e bem assessorá-los, serão obrigados a se afastar e correr o risco de ter todo o seu esforço até então perdido. Além de ser um imenso desafio, portanto, também é uma necessidade de imensa urgência.

29 setembro 2011

Eu, Binha e o Shiniti no GoogleStreetView

Sete da manhã, de um dia bastante frio em minha cidade. Na foto do GoogleStreetView: eu, Binha e Shiniti! Inconfundíveis...

23 setembro 2011

PL 267/11: Projeto daqueles que sentem saudade da palmatória.


Ninguém questiona o aumento real da violência. No meio de milhares de formas de criminalidade está uma população amedrontada e que, com toda legitimidade, exige soluções imediatas. Estes sentimentos de medo e de insegurança dão margem para que nossos legisladores reforcem a clássica função do Estado em deter o monopólio da força, mas não cumpre o papel de promover a paz para seu povo. Por vários motivos, desde a grande corrupção e freqüente abuso de poder por praticamente todas as formas de autoridade até a falta de acesso à justiça pela maioria da população, a pacificação social é traduzida como aumento da repressão, perda da individualidade e da preservação da intimidade, e intensificação das práticas punitivas. Dentro desse cenário, diversas juventudes vão se constituindo constantemente um objeto nas políticas repressivas. Principalmente as juventudes das camadas mais pobres.


A violência urbana, enquanto representação coletiva, sempre é associada à criminalidade. Nisso, na busca por um grupo social determinado em que seus membros seriam os grandes responsáveis por todo crime que ocorra, cria o sujeito-bandido dotado de inúmeros símbolos e aparências que mais povoam o imaginário e o senso comum do que se associa de fato com a realidade. Dessa forma, é freqüente vítimas se tornarem principais alvos das práticas repressivas e com total apoio da população insegura. E o jovem, em sua maioria populacional, é o que menos possui condições de se defender das mazelas e da própria violência e é também constantemente associado à criminalidade.


O sentimento de medo que há no Brasil é bem fundamentado, pois há aumento real da criminalidade principalmente nos centros urbanos. Porém, tal aumento, não se justifica pelo aumento de uma suposta população bandida. Há uma complexa rede de relações diretas e indiretamente envolvidas com os mais diversos processos sociais. Há o crime organizado com forte recrutamento de trabalhadores, mas os índices de violência contabilizam que os homicídios, em sua maioria, não estão relacionados diretamente com o crime organizado. Há uma fortíssima relação entre a ansiedade provocada pela desigualdade social e o aumento no número de homicídios. Quanto maior a insegurança da população quanto aos seus empregos e ao atendimento de suas necessidades, principalmente as suas necessidades básicas, será mais violenta sua realidade social.


A configuração cultural, institucional e econômica do país, somado com o medo justificado do crime, fortalece no sentimento das massas de que há de se tomar lado com todas as forças na dicotomia entre o bem e o mal. E o representante eleito há de construir propostas e projetos que coloquem o Todo-Poderoso Estado, com seu monopólio da força, em combate ao lado dos defensores do bem contra a população bandida, defensora do mal. Com isso, uma chuva de projetos legislativos é discutida diariamente com o propósito de se aumentar ainda mais a repressão. Sempre alimentando a cultura de que ordem e autoridade é igual à violência legalizada.


A cultura que compreende ordem e autoridade como violência legal atinge todos os aspectos da vida da juventude brasileira. Não apenas a polícia, mas praticamente toda a forma de autoridade na vida de um jovem bebe da mesma água que compreende a violência como algo legítima. Quando a violência troca de mãos é que se tem um problema. Ao invés de se alimentar uma cultura de paz, alimenta-se uma cultura de violência ser legítima ou ilegítima. É o caso do Projeto de Lei 267/11, de autoria da Deputada Federal Cida Borghetti (PP-PR), que estabelece punições para estudantes que desrespeitam professores ou violarem regras éticas e de comportamento de instituições de ensino. O projeto, extremamente subjetivo quanto ao delito, mas absurdamente objetivo quanto à punição, entende que os professores e direção escolar vem perdendo autoridade e busca resgata-la munindo estes profissionais com poderes de repressão e violência (no caso, suspensão escolar e encaminhamento para autoridade judicial, que irá prendê-lo).


O projeto não possui nenhuma preocupação educacional. Ele apenas "lê" que o estudante adquiriu um poder ilegítimo – lembrando que o projeto bebe na fonte que associa autoridade com violência. Não se enxerga um indivíduo agredindo a um outro, mas condena a possibilidade de um estudante agredir um professor. E, uma vez que a ética escolar é fortemente influenciada por seus professores, o contrário pode ser justificado – a agressão de um professor pode ser legítima.


O projeto cai no gosto da população amedrontada. A criminalização da juventude é constante no imaginário que compõe a tal da população-bandida. Nesse imaginário, a figura do mau professor inexiste. O abuso emocional, verbal, ou mesmo psicológico que tais professores cometem contra seus estudantes é algo tão longínquo que muitos pais não acreditam em seus próprios filhos quando esses dizem que foram maltratados por seus professores. E, na ausência de um grêmio estudantil forte, na ausência de uma comunidade escolar democrática e de respeito mútuo entre as categorias escolares, muitos estudantes encontram na violência física contra seu algoz a sua única forma de defesa ou mesmo de manifestação. A exceção vira regra, o estudante é marginalizado, e Projetos de Lei como o da Deputada Federal Cida Borghetti é aclamado.


Há uma preocupação real em se garantir a segurança de professores contra maus estudantes. Realmente, quando um indivíduo agride outro fisicamente ou o ameaça de faze-lo deve sim sofrer as devidas e justas conseqüências. Porém, não é isso que o PL 267/11 fortalece. Ele revigora a criminalização da juventude. Ele dá margens, inclusive, para que isto seja utilizado como mecanismo de perseguição política. Ele se embasa nos mesmíssimos argumentos dos tempos de ditadura militar no país onde se dizia: ame a repressão ou deixe o país, no caso a escola.


O PL 267/11 vai na contramão da democratização da comunidade escolar, valoriza os maus professores, não soluciona o problema de violência nas escolas, e ainda conta com a possibilidade de suspender o direito que todo brasileiro tem à educação. Direito esse que nem mesmo nas penitenciárias se é retirado ou obstruído. Este Projeto de Lei joga por terra a possibilidade de colocar as juventudes como protagonistas de uma série de soluções que os atingem diretamente e reforça a idéia de que toda autoridade se demonstra pelo tamanho do porrete que segura. E, uma vez que permite a suspensão do estudante, coloca-o fora da alçada da proteção escolar e o expõe com maior facilidade ao contato com a violência – consideravelmente pior – que um jovem poderá sofrer fora da escola.


O PL 267/11, no fim das contas, é um projeto que favorece aqueles que sentem saudade da palmatória.