A quantidade enorme de casos em que a troca de forças políticas no comando de uma entidade em nada resultou quanto ao problema de aproximação entre direção e bases leva a crer que não se trata de um problema de força política, mas de uma cultura ou um ciclo vicioso comum à praticamente todas as organizações do movimento social.
Existe, e não há como negar, o interesse proposital de manutenção da distância entre direção e bases. Seja por conta de uma prática da oposição – que isola as bases da direção, em uma espécie de "cordão sanitário" a fim de proteger a possibilidade da situação ser derrotada na próxima eleição por esvaziamento de sua base de apoio -, seja por conta de uma estratégia da própria situação de evitar o questionamento constante de sua atuação – quanto mais distante da base, mais fácil de se fazer qualquer trabalho, pois não haverá a necessidade de prestação de contas de maneira constante. Mas, ao mesmo tempo, ambas políticas – na minha opinião, mesquinhas – fazem com que as bases se desmobilizem e se afastem, perdendo a vontade e o envolvimento. O movimento se enfraquece e as disputas entre situação e oposição vão ficando cada vez mais sanguinolentas. Sem bases, sobram somente os desejos dos grupos organizados. A entidade entra em falência, se não de recursos humanos e financeiros, a mais grave: a política.
Não há tática ou estratégia defendida por uma força política que dispute uma organização e que aceite uma entidade falida politicamente como resultado. Por conta disso, inúmeras políticas tomam como critério de análise a capacidade de relacionamento ou o conjunto de mecanismos de tomada de decisão que mais envolveram o conjunto de representados; abandonando ou desconsiderando as lutas sociais. Em outras palavras, é mais valorizada uma entidade que se torna eficiente no sentido de se traduzir enquanto centro de convivência do que uma que busca disputar e transformar aspectos da sociedade atual a que está imersa. E praticamente inexistem as organizações que conseguem ser excelentes centros de convivência ao mesmo tempo em que são combativas nas lutas sociais.
Quando uma entidade não consegue ser nem uma coisa e nem outra, as próprias bases dão por falida sua entidade e se afastam. A exigência, e o grande desafio, portanto, é ter organizações do movimento social que sejam capazes de se bem relacionar interna e externamente ao mesmo tempo em que usa deste relacionamento para se projetar com força política capaz de lutar e provocar mudanças sociais.
A profissionalização dos quadros de uma entidade, ou a criação de meios para a contratação de quadros profissionais, talvez seja um caminho obrigatório para as organizações do movimento social. Por diversos motivos – e muito bem justificados -, deseja-se que a transformação ou mesmo uma ação defendida por uma organização do movimento social seja alcançada de maneira autônoma e diretamente pela própria entidade. Porém, a política institucional gera resultados de tamanha valia, com tamanha regularidade e com tantos bons resultados que chega a ser atualmente tola a política de evitá-la. Em outras palavras, por exemplo, ter um razoável time de advogados no movimento produz muito mais resultado e impacto positivo em uma luta social do que não tê-los – por vezes, a luta só chega em algum lugar por ter desenvolvido uma boa atuação jurídica apesar de todos os esforços de mobilização, agitação e luta.
Atingir este grau de profissionalismo é um desafio e tanto! Por exemplo, o movimento estudantil, cuja base não tem obrigações de contribuição como no movimento sindical, imaginar um time multiprofissional, composto por ex-militantes enquanto formadores e gestores do conhecimento acumulado, todos bem remunerados, parece ser mais uma utopia em um primeiro momento. Mas é fato notável que os poucos – e bravos - militantes sejam consumidos pelo movimento, sendo obrigados a atuar de maneira voluntária e amadora nos mais diversos aspectos. "Batem o escanteio e correm para a área para o cabeceio". E o resultado: há muita motivação no começo, muitos esforços sobre-humanos pelo caminho, e completa destruição do sujeito caso fique muito tempo neste processo. Sequer experiência profissional podem acrescentar em seus currículos profissionais, pois não é visto com bons olhos tanto tempo de dedicação em atividade voluntária – muito menos em atividade considerada por muitos como "subversiva".
Com o passar do tempo, e isso já é facilmente identificável em dias atuais, a precariedade de recursos, a enorme sobrecarga na militância, e o desgaste da imagem da entidade ou do próprio movimento para com a base, vai esgotando os poucos batalhadores que se dispõe a dirigir e organizar o seu movimento social. Extremamente cansados, estes militantes – na sua maioria honesta e sem pretensões de se tornar milionários fazendo luta social – caso não consigam se profissionalizar e assim poder abrir caminho para novos dirigentes e bem assessorá-los, serão obrigados a se afastar e correr o risco de ter todo o seu esforço até então perdido. Além de ser um imenso desafio, portanto, também é uma necessidade de imensa urgência.