Brasil, como diria o poeta: “A Pátria de chuteiras”. Nem com distribuição gratuita de bandeiras junto com carne de primeira, nosso país não fica tão verde e amarelo como está nessa época de Copa. Aliás, termo interessante esse: “Época de Copa”. Uma espécie de quinta estação do ano, ou melhor, do quadriênio. Algo como se comemorássemos o 29 de fevereiro com corpo e alma. Um outro poeta bem que disse: “o coração na ponta das chuteiras”. E é esse sentimento estranho, aparentemente vazio, que causa temas para debates consideravelmente relevantes. Mas alerto de antemão, trata-se de coisa séria. Coisa que vai além das meras quatro linhas e duas traves.
Futebol é, como qualquer outro esporte, um misto de dedicação e paixão. Houve quem afirmasse que a guerra em tempos de paz é a diplomacia, eu diria que uma das diplomacias mais eficientes que já inventaram é a tal da bola. De fato, países jogando bola, durante aqueles 90 minutos, não há guerras entre eles senão aquela dentro do campo esmeraldino. Porém, acreditar que o país fica paralisado em época de Copa e, ainda mais, crer que há uma exacerbação patriótica nessa época, de certo está indo com a maré ou se convencendo do que se vê, mas não do que acontece.
O país não pára em época de Copa. Pelo contrário, cresce e principalmente em setores da economia extremamente estáveis. Talvez somente no natal é que se vende, contrata e aumenta a produção em tão acelerado ritmo quanto o que acontece no período de Copa. E a fórmula é bastante simples: para tamanha necessidade de produção, é necessário mais mão-de-obra. E, naqueles míseros 90 minutos, e espero eu, sete vezes, do jogo da seleção brasileira é que temos o famoso fenômeno do “povo brasileiro inteiro parado diante da televisão”. Muito pouco se comparado ao tanto que se produziu antes e o tanto que irá produzir depois de um jogo da canarinho. Isto, por si só, já justificaria a euforia do povo brasileiro nessa época. Mas o fenômeno é muito maior e vai muito mais além do que eu poderia escrever em tão poucas linhas.
Agora, se atendo ao chamado patriotismo de chuteiras. Alerto aos mais rabugentos: sim, trata-se de patriotismo, de forma original. Não é aquele patriotismo ianque enlatado nos filmes da Disney. Mas é um momento em que, de certa maneira, dizemos ao mundo que somos brasileiros e que “Do universo entre as nações, resplandece a do Brasil”. Claro, sem nos esquecermos de que trata-se de uma comoção nacional direcionada. Em nada tendo que ver com desejos de radicais transformações, mas com uma música de fundo onde ouvimos que somos os melhores, pelo menos naquilo. Também, não nos esqueçamos de que o trabalho é alienante, que o trabalhador é alienado pelo seu trabalho. Que esse sentimento patriótico não se transfere para nenhum outro lugar. Não almejará nenhuma ruptura ou transformação social simplesmente. Trata-se de um sentimento patriótico extremamente lucrativo, principalmente para aqueles que sempre lucram, todos os dias, todos os anos. E o pobre do trabalhador é que se mata para garantir isso, em troca de míseros trocados e uma alegria do qual, tomara, será esse ano apenas a sexta vez que teremos.
No dia seguinte ao do Cafu levantar a taça, milhões de bandeiras estarão já enroladas. Várias delas talvez para sempre. O país voltará ao seu ritmo. O comércio continuará se preparando para seus “Dia dos pais”, “das crianças”, “Natal”, etc. Os bancos continuarão abertos em horário impróprio para a classe trabalhadora, mas sugando seu sangue até a última gota. O estudante continuará sofrendo com o descaso com a educação e com o seu ensino indo para a prateleira do supermercado. E o que mudará é somente o “Rumo ao Hepta!”.