20 julho 2008

Rodada de Doha e mais alguns vinhos





A Rodada de Doha: atletiba? Desde quando?



Se alguém ainda tinha dúvidas se a política externa brasileira havia ou não superado seu eterno paradigma de submissão ou eqüidistância pragmática na relação com os Estados Unidos, o Chanceler Amorim terminou de saná-las. Ao comparar a relação que os países do Norte possuem no que diz respeito à política alfandegária para a agricultura, tascou uma comparação com o pensamento do nazista Göebbels, o famoso "uma mentira dita cem vezes se torna uma verdade". A paulada foi endereçada para a União Européia e para os Estados Unidos que, prontalmente, classificaram como "comparação baixa e infeliz" de nosso Ministro.



Não há motivos para tanto faniquito, como quer informar ou passar a impressão o nosso conhecido Partido da Imprensa Golpista - PIG. Foi uma paulada do porta-voz não apenas do Brasil, mas de todos os países do Sul presentes na prévia da reunião da OMC e mais uma tentativa para concluir a interminável rodada de Doha. Não se trata de um Ministro desiquilibrado, conforme Gazeta, Estadão e Folha tanto afirmaram. Tampouco se trata de uma representante dos Estados Unidos ofendida com a comparação simplesmente por ser filha de sobreviventes do holocausto. Nessa crítica da razão tupiniquim, ou a síndrome de Poliana, como queiram, não se trata de uma preparada representante por ser estadunidense e um despreparado brasileiro. Trata-se de uma crítica dura e necessária sobre os crimes que os países do Norte cometem contra os países do Sul, e o desconforto nada mais foi que um tempo para que a diplomacia do Norte se recupere do soco levado.



Lembro-me de quando a Senadora Heloísa Helena, para cada três discursos no Senado, dois ela comparava o pensamento de alguém com o famoso pensamento de Göebbels. E o mais impressionante era que nenhum dos excelentíssimos pares se ofendiam por conta de ter seu pensamento comparado com uma das mais fortes expressões do nazismo, ou pior, por ser chamado de mentiroso. Ora, era por ser uma frase fácil, de interpretação simples, dita por alguém que não tinha força política qualquer em meio aos mandos e desmandos da Alta Casa. Além de se estar em casa. E essa frase do Secretário de Comunicação do Partido Nazista se tornou freqüente em diversos representantes do povo brasileiro, das camadas intelectuais, e principalmente na academia. Jamais saindo da sacada ou da cozinha de nossa amada Pindorama.
Estamos falando de Celso Amorim, diplomata de carreira e por três mandatos presidenciais Ministro das Relações Exteriores. Ícone da intelectualidade profissional pública. E que, na Rodada de Doha, fala em nome de todos os países-membros da OMC do Hemisfério Sul. O Chanceler possui não apenas um Ministério competente, mas como também o que há de melhor no que diz respeito à assessoria, uma das melhores do mundo. Denunciou uma mentira do Norte para escravizar o Sul, e o Norte acabou mesmo desqualificando Amorim para ganhar tempo, afinal a denúncia veio de nada mais nada menos que o até então sempre tratado enquanto quintal ianque. Mais uma prova de que o Brasil assume de vez uma política internacional independente, compromissada com o seu desenvolvimento e fortalecimento político no cenário mundial.



Enquanto a imprensa taxa o "incidente" diplomático de ato de ignorância de nosso chanceler, esse, com muita sobriedade, informa que cedo ou mais tarde o Sul terá que negociar com o Norte precisando ainda mais do Sul. E que dessa forma, não aceitará uma negociação de afogadilho. E o gesto foi aplaudido pelos países representados. E quanto à nossa ofendida ianque, bom, ela recebeu um pronunciamento oficial do MRE: "Não pedimos desculpas, pois não há o que desculpar; mas aceitamos o recuo que vocês têm que fazer cedo ou mais tarde em nome dos povos do hemisfério Sul."



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Bodega Privada Merlot
Botella 44281 - Mendoza, Argentina
Levemente maduro, demora para abrir (20'). Rubi-violáceo, indo para tons mais avermelhados. Bouquê de frutas vermelhas, um pouco abaunilhado, com leve notas de tabaco. Na boca é suave, apesar do desequilíbrio no tanino. Bastante adstringente, porém sua permanência é curtíssima. Sugiro que se evite esse vinho, antes mesmo de se começar a degustá-lo, ele se mostrou bastante frustrante. R$ 9,90 no Wal-Mart. Nota MG 74,0.


Tempus Alba Cabernet Sauvignon 2004 - Mendoza, Argentina.



Depois de ter provado o Marques del Turia, e o Bodega Privada, a redenção dos três eleitos pela relação custo-benefício foi o Tempus Alba Cabernet Sauvignon 2004. Devidamente maduro, com um vermelho-atijolado e lágrimas bem mais generosas que o Marques e o Bodega Privada, e um buquê que abre imediatamente após se retirar a rolha. Frutado e floral, com uma suave baunilha, e um certo quê de acetona, e um outro quê de condimentos apimentados. Na boca, é bastante suave para um Cabernet Sauvignon. Taninos bem equilibrados, álcool quase imperceptível, e baixa acidez - o que surpreende por ser um Sauvignon de Mendoza, porém sua permanência é curta, sobrando no final somente os aspectos mais adstringentes de todo Cabernet Sauvignon. Na medida em que o vinho vai trabalhando, vai emagrecendo, até ficar aguado. Apesar de seu início ser bastante promissor, acabou se revelando mais um vinho mediano. Sendo bastante gentil, daria uma nota de MG 78,0. R$ 14,90 no Wal-Mart; 14% Vol. Alc.




Nota de pesquisa: o Tempus Alba Cabernet Sauvignon ter se aberto rapidamente foi uma surpresa agradável. Cepas como C. Sauvignon, Franc, e Merlot produzidos em Mendoza, principalmente "ao pé dos Andes" costumam ser demorados para abrir. Tabaco e baunilha é outra característica marcante para essas cepas de Mendoza. Não ter essas duas características acaba sendo uma raridade. Outra curiosidade que encontrei sobre as cepas de Mendoza é o rápido clareamento de seus vinhos. Logo, um Cabernet Sauvignon mais atijolado não é sinônimo de vino maduro.

17 julho 2008

A primeira avaliação de vinhos.










Sempre fui um admirador de vinhos, porém não muito culto acerca das maravilhas da enofilia. Obviamente que colecionava alguns gostos particulares sobre esse ou aquele vinho, e notava que alguns eram simplesmente esplêndidos em relação a tantos outros. Ainda que não entendesse o motivo, tinha sempre aquela sensação de que muito mais havia em uma garrafa de vinho do que pode explicar nossa vã filosofia. E nada como um enófilo casar-se com uma grande amiga para que esse eterno curioso unisse a admiração por vinhos e a paixão por se inteirar mais intensamente sobre um assunto. O resultado: a admiração tornou-se uma verdadeira paixão, e a curiosidade um desafio para a intelectualidade.
Caneta, muitas perguntas bastante óbvias para quem já está inteirado do assunto, e um apetite por conhecimentos, além da paciência de meu cunhado (uma vez que essa amiga me trata como irmão) em me explicar com riquesas de detalhes acerca do vinho, arrisquei-me nessa aventura de avaliar o objeto de minha mais nova paixão.
Assim foi mais ou menos a história desse neófito na enofilia, falta o encontro com o primeiro desafio: avaliar o primeiro vinho. Essa amiga-irmã, Queisse, indicou-me o Marques del Turia, Bobal-Syrah, 2006 pela relação custo-benefício. A coisa já apertou no início, com a falta de conhecimento da cepa Bobal, ao passo que diversas Syrah, boas e ruins, já haviam passado por mim. Mãos à obra, pesquisa e anotações, cheguei a um resultado bastante consensual entre os valencianos (uma vez que se trata de uma cepa superdifundida na região, e apenas um pouco em mais dois lugares na Espanha): para se entender o Bobal, o vinho costuma ser de baixa graduação alcoólica, e o próprio álcool deve passar desapercebido pela boca. Entretanto, deve se manter um certo tempo no decanter a fim de suavizar o paladar na medida em que vai trabalhando o vinho. Na mistura com o Syrah, essas características devem permanecer, entretanto, o que irá destinguir um bom vinho de um médio dessa mistura será o tanino mais suave, uma acidez um pouco acima do normal para um Syrah, e uma certa corpulência do vinho.
Foi justamente nas características específicas da mistura que Marques del Turia Bobal-Syrah 2006 decepcionou. Um tanto aguado, magro e de lágrimas bem desinteressantes, e sua cor violácea ainda que límpido, apontando talvez sua breve imaturidade. O buquê (desculpem-me os mais contemporâneos, mas prefiro buquê a nariz por meras questões estéticas, e até ontem eu mesmo falava apenas nariz do vinho) é de início, bastante intenso, entretanto, quando o vinho está apto para o paladar, o buquê simplesmente se torna confuso, não complexo, confuso mesmo. Destaca-se o tradicional: frutado, frutas vermelhas com um pouco de café. Adstringente e de permanência média e, realmente o álcool passa bem desapercebido, ainda que sua graduação com a mistura tenha aumentado dos típicos 11% Vol. do Bobal e ido aos 12,5% Vol. Compensa apenas pela relação custo-benefício (R$ 12,99 no Angeloni), pois o vinho é médio. Não me arrisco numa nota ainda, mas na classificação de meu cunhado (o marido da Queisse), Leonardo Araújo, não chegaria mesmo aos 80,0 pontos.

14 julho 2008

Solidariedade aos trabalhadores de campo





Eu ia novamente escrever sobre impressões de nossas eleições municipais, especificamente na minha querida capital paranense. A total ausência de maturidade dos partidos políticos seria o tema e uma tentativa de explicação pela completa superficialidade dos candidatos e candidatas, princiapalmente prefeituráveis para o pleito desse ano. Porém, deixarei para o próximo "post", uma vez que uma outra avaliação tornou-se mais atrativa para esse que vos escreve. No dia de hoje, os trabalhadores dos Correios fizeram uma inusitada manifestação na Boca Maldita. Eles querem adicional por periculosidade, e colocaram um cachorro treinado para mostrar aos transeuntes os riscos que o trabalhador de campo corre todos os dias e sem nenhum adicional por isso.
Imediatamente lembrei-me dos tempos em que eu era um trabalhador da Sanepar, leiturista. Caminhava de oito à dez quilômetros por dia, visitando cerca de quatrocentas residências, comércios ou indústrias em toda Curitiba e Região Metropolitana. De Piên a Adrianópolis, de Campo Largo a Itaperuçu, todos os dias carregando um trambolho para lá de ultrapassado e que pesava 3,5 quilos (mas que no fim do dia parecia ter aumentando uns dez quilos), um sapato apto para trabalhos pesados, preferencialmente em um canteiro de obras, um uniforme resistente inclusive ao calor e ao frio (pois quando fazia calor, passava ainda mais calor, e quando frio, passava ainda mais frio), e tudo isso com um sorriso no rosto para bem recepcionar os nem tão bem humorados clientes da empresa de saneamento. Além de tudo isso, haviam cachorros, marrecos, touros, e até avestruzes para atentar contra a saúde ou, no mínimo, contra a integridade física do trabalhador. E tudo isso numa jornada de trabalho de insuportáveis oito horas.
É essa a realidade de todo leiturista, carteiro, e demais trabalhadores de campo. E realmente merecem adicionais por periculosidade, e em alguns casos até de insalubridade (novamente lembrando de meus colegas da Sanepar que, por não lidar diretamente com o esgoto, mas indiretamente apenas, não possuem direito algum sobre insalubridade). E, quando se entra em greve, estampam em nossa cara que queremos apenas melhorias de salário (como se já se ganhasse grandes coisas), quando é a própria dignidade do trabalhador que está sendo reivindicado. A greve dos Correios é justa, por mais incovenientes que causam a ausência de seus serviços. O respeito ao trabalhador é questionado diariamente na labuta desses profissionais nem sempre valorizados.
Aos trabalhadores e trabalhadoras de campo, minhas totais solidariedades!

07 julho 2008

Alea Jacta Est



Há de se concordar com a imprensa curitibana: a campanha esse ano começou morníssima. Exceto do candidato do PMDB, Reitor Moreira, que abre uma luta sem tréguas para reaglutinar militantes do próprio partido, não se viu nas ruas uma campanha visualmente mais destacada, com bandeirassos e afins. A caminhada de Gleisi Hoffmann do PT no corredor formado pelo estádio Couto Pereira e a Igreja de Nsa. Sra. do Perpétuo Socorro não foi suficiente para dar impressão de volume no lançamento de sua campanha. Gomyde, do PCdoB, e Fábio Camargo, do PTB, considerados reserva técnica pela imprensa, sofrem algumas dificuldades para iniciar suas campanhas e seus respectivos lançamentos de campanha passaram simplesmente despercebidos pelos curitibanos nesse domingo. Os demais candidatos opositores ao atual prefeito, Bruno Meirinho (PSOL), Marinete Silva (PRTB), Lauro Rodrigues (PTdoB), Maurício Furtado (PV), estiveram lado a lado no anonimato e, na prática, não tiveram nenhuma ação mais destacada nesse domingo, aparecendo tão somente no estranho debate na Igreja da Barreirinha.
A estranha tática adotada em quase todas as capitais do país de fragmentação das disputas eleitorais se repetiu em Curitiba. Os partidos de oposição ao atual prefeito, de certa forma, ajudaram a construir o mito de "candidato eleito" de Beto Richa (PSDB) por conta de quatro anos de tímida e fraca oposição. O único episódio de destaque da oposição foi a série de incidentes entre Guarda Municipal e movimento estudantil, que trouxe o debate sobre o passe estudantil para o campo da polêmica, mas ainda muito aquém das grandes contradições do atual governo municipal, não contribuindo muito para com que o atual prefeito não continue mais no Palácio 29 de Março ano que vem.
O debate na Igreja da Barreirinha foi realizado no mesmo clima morno que as campanha tiveram nas ruas. Nenhuma cacetada mais dolorida na atual gestão, tão pouco nenhuma mais certeira do atual prefeito na sua oposição. Destacou-se tão somente uma luta de palavras de ordem por parte das militâncias dos candidatos, poucas propostas, e denúncias genéricas nas contradições de todas as esferas do executivo, de Curitiba até ao Governo Federal.
Dessa forma, Beto Richa fez um debate "mitológico", respondendo com mitos construídos ao longo de sua gestão sem maiores resistências da oposição. Quando apontaram as contradições sobre a saúde, não fizeram nada no que diz respeito ao conceito de políticas públicas de saúde do atual governo municipal, tampouco sobre a ampliação do sistema, melhorias no acesso popular da saúde pública, limitando-se aos aspectos de instalações dos postos públicos e sua demora no atendimento. Uma vez que a denúncia se tornou fraca, genérica, o atual prefeito reagiu com o mito do "melhor sistema de saúde do Brasil", o que não significa grande coisa uma vez que o sistema de saúde pública brasileiro está muito aquém das necessidades populares. No que diz respeito ao transporte coletivo, o velho discurso estético sobre o metrô curitibano ao invés de apontar os abusos da máquina de dinheiro chamada URBS e sua questionável prestação de contas, coisa que o atual prefeito nem precisou dar conta de responder. A única questão mais dolorida, quase no final do debate, quando as torcidas militantes esquentavam o amornado debate, foi sobre a política de propaganda da cidade. Como foi questionado pelo candidato do PMDB, o prefeito tucano se limitou a atacar o Governo Estadual, da mesma legenda do reitor licenciado. E o clima de torcida organizada fez com que a resposta passasse em branco assim como a pergunta.

Como diria Julio César: "Alea Jacta Est", a sorte está lançada. A campanha pode e deverá esquentar nos próximos dias. Mas, por enquanto, nenhuma das questões políticas que, de fato, podem influenciar nas vidas curitibanas nos próximos quatro anos estão sendo tratadas. Muito sentimento de guerra, pouca proposta, e, no momento, nenhuma campanha capaz de mexer com corações e mentes dos eleitores. Por enquanto, micro-regionalmente, esse debate está por conta dos candidatos à Camara Municipal. Esboçando uma clara necessidade de se mudar a política da capital paranaense, dada a inversão de prioridades nas funções que os candidatos estão demonstrando. Por enquanto, coube aos vereáveis propostas executivas, e aos prefeituráveis, uma discussão típica de Pequeno Expediente da Câmara Municipal.

03 julho 2008

O último bolinho



Da série sobre coisas corriqueiras que, quando resolvemos prestar atenção, ou ficamos perplexos ou, no mínimo, pensativos. Estava eu e a moça, bela moça, em uma esquina dessas de promoções: um tantão de bolinhos por um tantinho de dinheiro, e grátis um cafezinho. Tempos difíceis, não podia esbanjar. Mas era muito bela a moça. Valia gastar mais do que eu tinha para fazer de mim um pouco mais atraente aos olhos daquela bela donzela. Infelizmente, o dono do estabelecimento não era tão romântico quanto meus desejos, e o dinheiro deu para apenas sete bolinhos e um café para a moça. Lembrando que o meu estava na promoção do café gratuito para a promoção de bolinhos.


Em meio a um delicioso assunto, daqueles em que quase esquecemos da comida e atacamos querer comer aquilo que o outro está formulando em pensamentos, fui notando os bolinhos, lentamente, sendo consumidos. E, o número ímpar favorece algumas brigas, algumas rusgas, discussões e, enfim, um moço feito eu voltando frustrado e sozinho para casa. Esse maldito número ímpar é causador de conflitos internacionais, mataram um, e a Primeira Guerra Mundial começou. Por conta de um que queria um mundo inteiro a si submisso, outra ainda maior se deu início. Por conta de um mundo unido e proletário, uma guerra fria começou. Até o mundo bipolar, na verdade era ímpar na história da humanidade. Entre iraquianos, um governo americano querendo impor uma única verdade. Por conta de uma fórmula, milhares de vidas ceifadas graças ao resultado daquele veneno nuclear. O tal do número ímpar já desfez lares felizes. Ao acrescentar uma terceira, o par se dividiu. O amor de dois do mesmo sexo é tratado como um, e assim não podem contrair nupcias. A aliança, que resume dois seres em um, é lapidado em um metal que, se esticado, vai até o infinito, e por ele pessoas matam ou perdem sua identidade. Por cinco cartas, apenas um jogador é consagrado vencedor no pôquer, causando outros tantos desespero, desatres, ou falência financeira.


E por conta de sete bolinhos se iniciou meu desespero. Na medida em que nossos assuntos iam se entrecortando, formulando, passando, ia restando um insistente e único bolinho no prato das diferenças. - E agora? - Pensava eu quando ainda tinham apenas três daqueles causadores de discórdias. Se eu simplesmente o comesse, ela me consideraria mesquinho ou egoísta o suficiente para nunca mais querer me ver. Se eu deixasse ela comê-lo, poderia me considerar passivo demais para que eu seja digno de seu valor. Quando restaram três bolinhos, meu desespero era ainda apenas metafísico, mas veio uma bocada dela em um, e a minha no outro. O ímpar maior chegara. Meu desespero se tornava objetivo. Catava migalhas na solidão de minha alma. Se eu aceitasse que ela simplesmente atacasse o último bolinho, não honraria mais as calças que eu vesti minha vida inteira. Se ela simplesmente aceitasse que eu o fizesse, mais uma que não tem amor próprio o suficiente para enfrentar as dificuldades da vida à dois. E como perturbava-me aquele último bolinho.


Finalmente, a hora de iniciar a guerra chegou. Ali estavam lançados os dados, e eu pronto para o combate. Discretamente estava eu com guardanapo como se uma espada, ela com um sorriso como se uma mira de perito atirador. Mas era realmente fantástica a moça, e como eu era bobo. Além de rápida, não era ela nem um nem outro na guerra dos machismos e convenções sociais. Antes que eu esboçasse qualquer reação, se propôs pagar a conta. E o bolinho, simplesmente ela dividiu ao meio ante de me dar aquele beijo arrebatador.